INSCRIÇÃO: 00558
 
CATEGORIA: JO
 
MODALIDADE: JO16
 
TÍTULO: Eu não vou para o céu? A comunidade LGBT em igrejas inclusivas
 
AUTORES: Jhonatas Henrique Simião (Pontifícia Universidade Católica de Campinas); Jeferson Batista da Silva (Pontifícia Universidade Católica de Campinas); Mariana Rodrigues da Silva (Pontifícia Universidade Católica de Campinas); Lindolfo Alexandre de Souza (Pontifícia Universidade Católica de Campinas)
 
PALAVRAS-CHAVE: igrejas inclusivas, LGBT, cristianismo, documentário, audiovisual
 
RESUMO
O documentário "Eu não vou para o céu? – A comunidade LGBT em igrejas inclusivas" incita uma reflexão sobre a existência dessas denominações cristãs em uma sociedade em que o preconceito baseado na moral cristã é recorrente. As igrejas inclusivas fazem uma leitura histórico-crítica da Bíblia, valendo-se da Teologia Inclusiva, e não condenam como pecado a sexualidade ou identidade de gênero diferente da heteronormativa e acolhem a comunidade LGBT, contrastando com outras instituições no Brasil. Além disso, o documentário também aborda em que medida essas igrejas reafirmam ou não uma forma de segregação no meio, tornando-se guetos, bem como a inserção desse fenômeno na teoria do Mercado Religioso.
 
INTRODUÇÃO
O documentário Eu não vou para o céu? – A comunidade LGBT em igrejas inclusivas foi realizado como Projeto Experimental para a conclusão do curso de bacharel em jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e aborda, na linguagem audiovisual, a presença no campo religioso brasileiro das chamadas igrejas inclusivas, instituições religiosas cristãs que fazem uma leitura histórico-crítica da Bíblia, valendo-se da Teologia Inclusiva, e, portanto, não condenam a sexualidade ou identidade de gênero como pecado e acolhem a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros), diferente de outras denominações cristãs presentes no Brasil. De acordo com Natividade (2010), as primeiras igrejas autoproclamadas inclusivas surgiram no Brasil há pouco mais de uma década. No mundo, De Carvalho Ferreira (2014) afirma que a primeira instituição desse tipo foi criada em 1968, nos Estados Unidos. A ideia de execução do projeto surgiu da conveniência de abordar religião e sexualidade, duas questões consideradas tabus na sociedade brasileira, que ainda é bastante permeada pela homofobia e transfobia, baseadas na moral cristã. Além disso, são escassos os trabalhos acadêmicos e audiovisuais que abordam tais temas com o enfoque proposto, ou seja, a conciliação de duas identidades aparentemente opostas. A decisão pela modalidade documentário foi motivada em virtude da disseminação que os trabalhos dessa natureza conseguem ter perante a sociedade. Como afirma Martins (2007), os produtos desse gênero costumam atuar como mobilizador social capaz de estimular a reflexão e o desejo de saber do espectador. Além disso, por permitir um olhar autoral sobre o assunto abordado, o documentário também se adequou ao desejo do grupo em levantar uma reflexão sobre a existência das igrejas inclusivas mostrando seus frequentadores, pastores e estudiosos, sempre com o cuidado de não levantar qualquer julgamento ou preconceito.
 
OBJETIVO
O objetivo do documentário, por meio de um olhar autoral, é o de incitar a reflexão dos espectadores sobre a existência das igrejas inclusivas no Brasil, levando em conta os preconceitos com identidades sexual e de gênero baseados na moral cristã. Para isso, foram entrevistadas fontes-personagens de instituições religiosas em Campinas (SP) e São Paulo (SP) (Anderson Cunha, Jacqueline Chanel e Talita Rossine Mendes), que vivenciam a experiência dessas igrejas e especialistas que se debruçam sobre o tema a fim de compreender melhor esse fenômeno (Edin Sued Abumanssur e Marcelo Natividade). Também foram ouvidos para o projeto pastores, pessoas que proporcionam a experiência da Teologia Inclusiva à comunidade LGBT (Cristoffer Zilotti e Marcos Lord), de Curitiba (SP) e Rio de Janeiro (RJ), respectivamente, e, por fim, o militante LGBT Toni Reis, de Curitiba (PR). Com um enfoque jornalístico e máxima isenção, o trabalho também aborda em que medida essas instituições, que são em sua maioria de vertente neopentecostal, reafirmam ou não um tipo de segregação, tornando-se guetos para comunidade LGBT, além da inserção desse fenômeno na teoria do Mercado Religioso, que surge para explicar a religião como um "item de consumo, oferecido no mercado como outra mercadoria qualquer" (GUERRA, 2003, p. 13).
 
JUSTIFICATIVA
Dados de organizações nacionais e internacionais mostram que o Brasil é um dos países em que mais se mata a comunidade LGBT por crimes de ódio no mundo. Paralelamente, as religiões de origem cristã, principalmente as correntes pentecostais e neopentecostais – com denominações que condenam a orientação sexual e identidade de gênero diferentes da heteronormativa como pecado –, estão em franco crescimento no país. Diante desse contexto, a discussão acerca da sexualidade e religião mostra-se extremamente necessária, ainda que ao longo das últimas décadas tenham sido reconhecidos importantes avanços no país, como o casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo, o uso do nome social para pessoas trans e outros. De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), morre no Brasil um indivíduo LGBT a cada 27 horas vítima de crime de ódio. Isso sem contar as pessoas que também perdem a vida apenas pelo fato de serem confundidas com gays. A situação preocupante da homofobia no país é destaque em organizações internacionais desde a década de 90 e a situação é ainda mais alarmante com os representantes da letra T. Mais da metade dos homicídios contra transexuais no mundo ocorrem em terras brasileiras, segundo a organização Transgender Europe (TGEU). O Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que cerca de 90% da população brasileira é cristã. Mais de 20% é evangélica, somando todas as vertentes. De 2000 para 2010, o número de evangélicos cresceu mais de 60% no país, segundo o mesmo levantamento, com 16 milhões de novos fiéis. No período, o número de católicos recuou. No decorrer do projeto, por vezes, verificou-se que o discurso propagado por algumas denominações cristãs é internalizado pelos fiéis, uma vez que a influência que os líderes religiosos exercem sobre os mesmos é significativa. Com essa perspectiva, optou-se por realizar a produção de um documentário, modalidade autoral e que permite o estímulo da reflexão pelos espectadores, sobre a presença das igrejas inclusivas cristãs no Brasil por uma perspectiva de debate, em que não é feita apenas a documentação dos costumes e vivências de personagens pertencentes àquele mundo, mas uma reflexão da representação dessas instituições na sociedade brasileira. O documentário consegue abranger histórias e pautas que o jornalismo diário não é capaz de veicular, seja por sua complexidade ou até mesmo por falta de interesse da instituição jornalística segundo os "valores-notícia". Além disso, o gênero documental permite que o jornalismo se apresente de outra forma, valendo-se de autenticidade, tratamento estético diferenciado, inovação no posicionamento de câmera e utilização estratégica de trilha sonora e elementos gráficos. O documentário permite ainda o aprofundamento de questões éticas e teóricas e a aproximação profunda com os personagens ou atores sociais, eles que são tratados superficialmente na reportagem ou em outras modalidades jornalísticas. Segundo Carvalho (2006), o jornalismo tem o papel de ser provocativo em sua abordagem e o documentário dá a abertura para a utilização de elementos que possibilita uma maior relação com a história a ser contada e, assim, maior envolvimento da parte do espectador na discussão. De acordo com Nichols (2005), no documentário participativo, as entrevistas possibilitam o cineasta a dirigir-se diretamente aos atores sociais, compreendendo e questionando o mundo sob a perspectiva deles próprios, e não necessita de voz over para dialogar com o espectador. Combinado com o modo reflexivo, levando a reflexão aos espectadores e também aos atores sociais do filme.
 
MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS
Para a realização do documentário, utilizou-se um método híbrido de trabalho (MACHADO, 2007), conciliando revisão bibliográfica e documental e trabalho de campo e observação (LAKATOS; MARCONI, 1992, p. 107) métodos de caráter acadêmicos de pesquisas em ciências sociais aplicadas, com métodos e técnicas essencialmente para a produção em audiovisual: definição de planos para as filmagens, construção de identidade visual, seleção de fontes, pré-entrevistas e entrevistas, filmagem de imagens de apoio e ainda montagem de pré-roteiro e roteiro e edição final do vídeo. O processo de pesquisa foi dividido em duas partes: a primeira iniciou-se com uma investigação na web sobre a temática do projeto, juntamente realizou-se revisão bibliográfica acerca da teologia inclusiva, igrejas inclusivas, comunidade LGBT e mercado religioso no Brasil. O levantamento de informações na internet e a construção de uma base teórica foram fundamentais para o processo de pesquisa e seleção de fontes de informação para o documentário. A leitura de reportagens, a visita assistemática em sites de igrejas inclusivas brasileiras e em suas páginas e canais em redes sociais e o estudo de literatura relacionada ao assunto, levou aos primeiros contatos com pessoas envolvidas com a temática. Além disso, foram realizadas visitas às igrejas inclusivas pelo grupo e também a imersão no tema, para que tal realidade fosse compreendida e, a partir disso, a discussão proposta fosse levantada. Foram importantes também as pesquisas bibliográficas acerca do gênero jornalístico, o jornalismo na televisão e no documentário, assim como a busca por referências nessas áreas. Além de leituras sobre o atual cenário da produção audiovisual brasileira. As entrevistas e as imagens de apoio foram gravadas pelos integrantes do grupo, por cinegrafistas freelancers e também por cinegrafista do Laboratório de Imagem e Som (LabIS), da PUC-Campinas. A edição de imagens também foi feita com apoio do LabIS.
 
DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO
O documentário não tem blocos definidos, mas sim, eixos temáticos que se dialogam com as entrevistas das fontes entrevistadas e imagens de apoio. A intenção do grupo em fazer um vídeo de cerca de 15 minutos, sem perda de qualidade de conteúdo e com um bom acabamento estético, foi pensada levando em conta que o processo de edição exigiu um trabalho de prioridades e escolhas e, assim, melhor resultado final. Além disso, a seleção do projeto no Edital Curtas Universitários, do Canal Futura, que solicita trabalhos audiovisuais entre 13 e 15 minutos, também motivou a opção por um vídeo mais curto para que não precisassem ser realizados novos cortes posteriormente. O documentário é um filme que se apresenta como tal (RAMOS, 2008) e, por isso, a relação de expectativa e compreensão que o espectador estabelece com o filme difere muito da relação estabelecida com um filme de ficção ou com outros materiais audiovisuais. Para a produção de um documentário, não há regras de condução da narrativa ou de técnicas de captação de imagens, porém diretrizes e teóricos foram consultados para que o objetivo fosse alcançado e a mensagem transmitida da melhor maneira possível. As entrevistas são definidas como a base do documentário, por isso houve um cuidado com a exposição das fontes, principalmente aquelas caracterizadas como personagens e cujas entrevistas tratam de suas intimidades e vidas privadas. É válido ressaltar que elas fazem parte de uma parcela da população já marcada por preconceito, discriminação e intolerância. E o intuito do jornalismo nunca é o de expor um indivíduo ou causar-lhe constrangimento. Para amparar esse cuidado, foi utilizado também, além dos preceitos jornalísticos, o Manual de Comunicação LGBT (s/d.). Foi levado em consideração não só a qualidade teórica e de conteúdo do filme, mas também o bom acabamento estético e o máximo de padronização nas imagens captadas. Durante a produção alguns problemas com a falta de equipamento surgiram, como a diferença de qualidade entre as imagens da câmera principal e as das câmeras de cinegrafistas contratados, porém tais questões foram solucionadas da melhor maneira possível no processo de edição. Depois das entrevistas e captação de imagens, foi elaborado um roteiro de edição. Essa etapa foi uma das mais trabalhosas pelo extenso material bruto de gravação das entrevistas e imagens de apoio. Foi feita a decupagem das entrevistas, transcrição de áudio e seleção das falas mais importantes. Durante a produção do roteiro, houve a preocupação de não reduzir o material a um coletivo de depoimentos. Para evitar isso, e sim construir uma narrativa, foram utilizados recursos visuais como inserção de imagens de respiro com trilha sonora (desenvolvida especialmente para o filme) nas passagens, sobe sons, imagens das fontes em suas atividades profissionais ou trabalhos pastorais e informações em texto. O título do documentário como uma pergunta é uma maneira de instigar e provocar o telespectador antes mesmo do filme ter início. É importante aqui ressaltar que o documentário não tem a intenção de responder ou solucionar questões. Como é feito no jornalismo, a temática foi apresentada e contextualizada de modo que o telespectador processe todas as informações que podem embasar uma reflexão acerca do assunto.
 
CONSIDERAÇÕES
A realização do projeto como um todo, das fundamentações teóricas ao processo de captação e edição de imagens, foi de grande aprendizagem e amadurecimento no âmbito acadêmico, profissional e pessoal. Em virtude de o tema ser delicado na atual sociedade, ainda bastante marcada pelo preconceito contra LGBTs, o grupo teve dificuldades em entrevistar algumas pessoas, bem como fazer imagens em alguns espaços. Apesar do cuidado para que o filme fosse esteticamente agradável com elementos artísticos próprios do cinema, em nenhum momento a questão jornalística foi deixada de lado. O documentário envolve questões cheias de contradição, preconceito e intolerância e, por isso, avalia-se como uma importante contribuição para a discussão sobre os assuntos relacionados e espera que sirva de material para a reflexão e divulgação de informação quebrando preconceitos que envolvam as pessoas LGBTs cristãs, a quem tantas vezes o céu, a máxima cristã da salvação, foi negado.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁICAS

CARVALHO, M. O documentário e a prática jornalística. Revista PJ: BR, São Paulo: USP. N. 7, 2006. Disponível em: <http://www2.eca.usp.br/pjbr/arquivos/ensaios7_d.htm>. Acesso em: 15 ago. 2016.

DE CARVALHO FERREIRA, M. L. Homossexualidade e a teologia inclusiva: um estudo de caso da Igreja Athos & Vida. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA. 3., 2014, Jataí. Anais… Jataí: UFG, 2014. Disponível em: <http://www.congressohistoriajatai.org/anais2014/Link%20(199).pdf>. Acesso em: 3 set. 2016.

GOMES, L. F. Cinema nacional: caminhos percorridos. São Paulo: Ed. USP, 2007.

GUERRA, L. D. Mercado Religioso no Brasil: Competição, Demanda e a Dinâmica da Esfera da Religião. João Pessoa: Ideia, 2003.

IBGE. Censo 2010. Disponível em: <http://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso em: 25 abr. 2016.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. São Paulo: Atlas, 1992.

MACHADO, E. Metodologias aplicadas ao estudo do ensino de jornalismo digital. Trabalho apresentado no 5º. Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. Universidade Federal de Sergipe, 15 a 17 de novembro de 2007.

MARTINS, M. L. Narrativas Audiovisuais e Mobilização Social: Possibilidades. Revista Electrónica Razón y Palabra. Atizapán de Zaragoza (México), n. 57, 2007. Disponível em: <http://www.razonypalabra.org.mx/anteriores/n56/mmartins.html>. Acesso em 4 set. 2016.

NATIVIDADE, M. Uma homossexualidade santificada: Etnografia de uma comunidade inclusiva pentecostal. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos da Religião, v. 30, n 2, p. 90-121, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010085872010000200006#nt04>. Acesso em: 3 set. 2016.

NICHOLS, B. Introdução ao documentário. Campinas: Papirus, 2005.

RAMOS, F. Mas afinal... O que é documentário? São Paulo: SENAC, 2008.