INSCRIÇÃO: 00079
 
CATEGORIA: JO
 
MODALIDADE: JO11
 
TÍTULO: Silêncios que ecoam: corpos, dinâmica e campo
 
AUTORES: DAYANE KÉSIA ALVES DA SILVA (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA); CARLA CONCEIÇÃO DA SILVA PAIVA (UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA)
 
PALAVRAS-CHAVE: Cultura do Estupro, Machismo, Agressores e Vítimas, Livro-Reportagem Perfil.,
 
RESUMO
O livro-reportagem perfil "Silêncios que ecoam: corpos, dinâmica e campo gravitacional da Cultura do Estupro em Petrolina" conta a história de três homens julgados e condenados por violência sexual e três mulheres vítimas de estupro no município de Petrolina-PE, demonstrando como a violência sexual é formalizada em nossa sociedade. O processo de investigação compreendeu a realização de entrevistas em profundidades, utilizando técnicas do jornalismo literário e argumentos que recorrem a conceitos sociais, históricos, culturais, jurídicos e psicológicos para diagnosticar os principais elementos que caracterizam a Cultura do Estupro na cidade. A narrativa alerta o quanto a prática está enraizada em nossa sociedade, além de enfatizar que não existe uma regra; agressores e vítimas se encontram nas mais diferentes classes sociais.
 
INTRODUÇÃO
O termo Cultura do Estupro, que apareceu nas redes sociais brasileiras, em 2015, a partir da divulgação do estupro coletivo em Castelo do Piauí-PI, surgiu, em meados dos anos 1970, nos Estados Unidos, quando os movimentos feministas passaram a defender não só o direito pela igualdade de gêneros, mas a desnormalização do estupro. Em linhas gerais, pode-se afirmar que todos os setores, em diferentes épocas, contribuíram para a hierarquização que formou/consolidou essa prática. O processo de concretização da Cultura do Estupro está alicerçado na matriz social que estabelece o homem acima de todos os outros seres, instituindo o patriarcado. Dahlerup (1987) "salienta que devemos pensar no patriarcado como um fenômeno social e cultural, portanto não natural, utilizado para denominar a subordinação feminina" (PAIVA, 2014, p.56). E, em segundo lugar, no machismo, que concretiza a soberania masculina através da segregação de tarefas na sociedade entre homens e mulheres, oferecendo modelos de identidades binários distintos (DRUMONT, 1980). Nesse cenário, surge o estupro como uma agressão sexual, uma invasão ao corpo da vítima, misturando aspectos físicos e psicológicos. O violentador busca satisfazer seus desejos sexuais através de toques íntimos (tanto praticadas pelo agressor na vítima, quanto obrigando a vítima a exercer no agressor). No entanto, esse ato só se torna mais explícito socialmente quando há penetração nas partes íntimas da vítima. Dessa forma, percebendo os impactos causados na sociedade por esse tipo de prática delituosa e identificando que existe pouca bibliografia, surgiu o interesse em investigar quais os principais elementos que caracterizam a Cultura do Estupro no município de Petrolina? Para divulgação desta investigação de Trabalho de Conclusão de Curso – TCC, escolheu-se como formato um livro-reportagem com os perfis de agressores e vítimas, nomeado "Silêncios que ecoam: corpos, dinâmica e campo gravitacional da Cultura do Estupro em Petrolina".
 
OBJETIVO
Depois de conhecer algumas estatísticas sobre o estupro, no Brasil e em Petrolina; admitir a existência dessa prática desde os primórdios da sociedade e analisar o tratamento que a imprensa, em geral, dispensa ao tema, percebe-se que esse fenômeno não acontece apenas através de ações isoladas, mas pertence a um comportamento específico e pode estar relacionada a maneira como as pessoas se portam na sociedade. A professora e pesquisadora de Direito, do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), Andrea Campos (2016), explica que (...) a cultura do estupro está a serviço da preservação, manutenção e perpetuação dos valores machistas nas sociedades patriarcais. O crime de estupro, apesar de ser tipificado, é nessas sociedades, francamente tolerado em razão da existência feroz dessa cultura. É plausível, portanto, nessas circunstâncias que já duram milênios, conceber o estupro como método perverso de controle social e dominação nessas sociedades fundadas sob a égide do patriarcado (p.12). Face ao exposto, o objetivo principal deste projeto foi diagnosticar os elementos imprescindíveis que caracterizam a Cultura do Estupro no município de Petrolina, através da produção de um livro-reportagem e das técnicas do New Journalism para compor perfis de agressores e vítimas. Especificamente, foi importante também demonstrar como vem se perpetuando a chamada "Cultura do estupro" nessa cidade, naturalizada pelos diversos tipos de violências suportadas pelas mulheres e pelo fato de culparem a vítima pela conduta de seu agressor; bem como estudar aspectos legislativos e sociais, como o machismo e o patriarcado, e fatos históricos que evidenciam a existência de uma Cultura do Estupro em Petrolina.
 
JUSTIFICATIVA
Pensar em violência sexual, independente de quem seja a vítima, é trabalhar numa perspectiva de contribuição social, contribuindo para quebrar tabus e ajudar na desconstrução de uma prática tão antiga e que traz tantos malefícios a sociedade como a Cultura do Estupro. Particularmente, o livro-reportagem "Silêncios que ecoam" surgiu como uma tentativa de dialogar com a sociedade sobre a Cultura do Estupro, suas principais causas e consequências para homens/agressores e mulheres/vítimas e expõe a gravidade dos casos de estupro em Petrolina, cidade com população média de 337 mil habitantes, que em 2015, após um mapeamento dos casos de estupro, realizado pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE), indicou a existência de um crescente aumento nesses casos, ultrapassando a média de cinquenta boletins de ocorrência por ano, entre 2011 e 2015. Além desses dados, números coletados no Instituto Médico Legal constataram que as vítimas atende à mulheres na faixa etária de 0 a 13 anos. Essas unidades conversam com os dados nacionais do Mapa da Violência (2012), que no ano de 2011, sinalizou no Sistema de Informação de Agravos de Notificação, do Ministério da Saúde, a ocorrência de 13 mil casos de vítimas só do sexo feminino de violência sexual e estima-se que os casos que não são denunciados elevem esses números para mais de 50 mil estupros por ano. Em 2015, o site do G1 também realizou uma matéria sobre os índices de estupro no Brasil, indicando que, segundo o 9º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2015), os números oficiais de estupros no país caíram, mas o Brasil continuava ainda tendo um caso desse crime a cada 11 minutos. Foram 47.646 estupros em 2014, quase 7% a menos que em 2013, que registrou 51.090 casos, incluindo também os estupros de vulneráveis. O trabalho também é relevante por expor a conduta de julgamento que as pessoas adotam para com as vítimas de violência sexual, destacando o papel de cada indivíduo dentro de um arranjo social machista que contribui para que mais casos aconteçam. E, a partir da perspectiva de agressores e vítimas, juntamente com a participação de peritos da informação no tema, humaniza e aproxima o jornalismo de uma realidade social ainda pouco debatida, distante para uma boa parte da sociedade que desconhece que a cada 11 minutos um novo crime de estupro acontece no Brasil. Fato que muitas vezes se deve ao descompromisso das redações jornalísticas que pouco abordam o tema e, geralmente quando o fazem, apresentam um texto agressivo e preconceituoso que incriminam as vítimas/mulheres, contribuindo para que a Cultura do Estupro se solidifique, cada vez mais. No curso de Jornalismo em Multimeios, este trabalho foi pioneiro, abordando uma discussão nova. Violência sexual ainda é um tema escasso de debates, principalmente, no acervo da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). E, para a formação acadêmica e pessoal, são incontáveis as contribuições. Além da prática exaustiva da apuração, entrevista, revisão bibliográfica, pesquisas, investigação científica, que também poderiam ser desenvolvidos em outras temáticas, o referido tema proporcionou que a pesquisadora tivesse contado com atores e atrizes sociais pouco conhecidos e suas histórias fortes, que impactam tanto em quem produziu o livro como também em futuros leitores. A aproximação com essas vidas serviram para amadurecer não só a estudante de jornalismo, como o próprio olhar de cidadã perante os problemas psicossociais. A maior contribuição deste trabalho, no entanto, foi ajudar de alguma forma um grupo de mulheres no processo traumático que passaram como vítimas de violência sexual, ajudando-as a romper com o seu silêncio. Também foi possível colaborar com a desconstrução da Cultura do Estupro, expondo parte das práticas sexistas e machistas da nossa sociedade, o que constituiu também como um forte argumento para a defesa da produção deste TCC.
 
MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS
Para conseguir atingir os objetivos da pesquisa e por sua natureza analítica qualitativa, bem como pela delicadeza do tema e dificuldade na apuração dos fatos, priorizou-se a realização de entrevistas em profundidade a partir de algumas questões semi-estruturadas. Muita utilizada no campo do jornalismo, a entrevista é uma metodologia que, desde 1930, de acordo com Duarte e Barros (2014), apresenta "Entre as principais qualidades (...) a flexibilização de permitir ao informante definir os termos da resposta e ao entrevistador ajustar livremente as perguntas. Esse tipo de entrevista procura intensidade nas respostas" (p. 62). Entre seus diversos tipos, destaca-se a entrevista em profundidade, que consiste em identificar as diferentes formas de descrição e percepção do objeto em estudo, "(...) é um recurso metodológico que busca, com base em teorias, e pressupostos definidos pelo investigador, recolher respostas a partir da experiência subjetiva de uma fonte, selecionada por deter informações que se deseje conhecer" (DUARTE e BARROS, 2014, p. 62). Dessa forma, em cada entrevista, os sujeitos puderam falar abertamente sua opinião sobre cada pergunta, sem que fosse delimitado um limite. Nesse formato, os participantes da pesquisa chegavam a responder, por vezes, até duas perguntas em um só questionamento. A ideia era que as questões não conduzissem as falas dos entrevistados, mas pudesse servir de parâmetro para comparações no cruzamento das informações sobre a Cultura do Estupro em Petrolina e outros lugares. Assim, os entrevistados também acabavam por ficar mais à vontade, com o direito de formar seu discurso sem a influência da pesquisadora. A pesquisa foi dividida entre a coleta de dados, entrevista e visitas a campos; e produção escrita do material. Nos dois momentos iniciais, as leituras referentes ao processo de simbologia que envolvem homens e mulheres, a história das mulheres, conceituação de práticas machistas, sexistas e misóginas, foram essenciais para costurar a relação de poder que é estabelecida na sociedade petrolinense. Nesse contexto, foi possível perceber que, para além da definição agressor/vítima, existe uma conduta que contribui institucionalmente (família, religião, meios públicos e privados) com normas de diferenciação entre homens e mulheres para que crimes de estupro aconteçam. Na Penitenciária Doutor Edvaldo Gomes - PDEG, além de tentar selecionar um corpo de entrevistados unicamente julgados e condenados pela prática do estupro, procurou-se também escolher histórias e depoimentos diversos, com alegações, locais e perfil de envolvidos diferentes entre si. No total, foram selecionados 30 inquéritos, desses 15 participaram efetivamente, assinando o termo e respondendo algumas perguntas, os outros contestavam uma questão ou outra e se negaram a permitir que o gravador permanecesse ligado durante a conversa, bem como assinar o referido termo. Contudo, ainda assim resolveram participar de alguma forma, explicitando o que entendia sobre a Cultura do Estupro. Já entre as vítimas, o corpo de estudo foi construído por pessoas próximas, na maioria das vezes, ligadas aos movimentos feministas e organizações de mulheres. Contava-se o tema da pesquisa e replicava-se a informação por outros meios até conhecer possíveis entrevistadas. Boa parte das vítimas de violência sexual, no entanto, com receio de ser identificada, procurava participar da entrevista por meios online de uma forma que não fosse preciso se identificar. Assim, conhecia-se a história dessas mulheres e selecionava-se, entre aquelas que aceitaram falar sobre o crime, as participantes com perfis diferentes entre si, que foram vítimas de formas distintas de manifestação da Cultura do Estupro na referida cidade pernambucana. As entrevistas, todas registradas em gravação de voz por aparelho celular (exceto as realizadas no presídio), nas repartições públicas órgãos da segurança pública foram as primeiras a acontecer e isso ajudou a entender porque tantas vítimas evitam procurar essas instituições. A Delegacia da Mulher de Petrolina foi o primeiro órgão a ser procurado e o que apresentou maior dificuldade para fornecer informações. Nenhum dado foi disponibilizado e ninguém pode conceder uma entrevista. A estrutura desse departamento policial tanto física quanto organizacional inibe qualquer mulher que esteja debilitada por uma violência, seja ela física, psicológica ou sexual. O atendimento só acontece de segunda a sexta em horário comercial. Posteriormente, foram visitadas as seguintes instituições: a Vara Doméstica, onde foram realizadas entrevistas com funcionários do setor do psicossocial e jurídico, para esclarecer aspectos burocráticos em relação ao registro e apuração do processo de estupro; e, no mesmo dia, o Centro de Referência às Mulheres (CRAM) Valdete Cezar, onde foram realizadas entrevistas voltadas para os trabalhos de empoderamento feminino que, por ventura, poderiam estar sendo realizados, e buscando entender que tipo de apoio jurídico e psicológico são concedidos as mulheres de Petrolina em estado de vulnerabilidade social. O terceiro órgão frequentado foi o Instituto Médico Legal de Petrolina, onde, além de conceder entrevista, o médico legista de plantão cedeu todos os dados referente ao ano de 2016 sobre exames sexológicos, oportunizando, inclusive, a possibilidade de desmistificar alguns dados sobre esse instituto. Na sequência, foram realizadas visitas a Secretaria de Saúde, que também não forneceu informações sobre a Cultura do Estupro no município, assim como o Hospital da Mulher de Petrolina. Em reunião com a Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e sua base de representação nesta cidade, foi possível conhecer a dinâmica desse grupo feminista, mas suas dirigentes só concederam entrevistas por Whatsapp, com respostas muito superficiais sobre a forma de atuação dessa instituição em relação ao apoio às mulheres. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Petrolina também foi visitado, em busca de histórias de mulheres vítimas de assédio sexual na zona rural, uma delas resolveu conversar, mas depois não compareceu nas entrevistas. Por fim, foram realizadas as últimas entrevistas com os personagens centrais deste trabalho, agressores e vítimas. Posteriormente, com a concretização de todas as entrevistas com agressores e vítimas, percebeu-se a necessidade de marcar um encontro com uma psicóloga especializada em gênero da Universidade Federal Vale do São Francisco (UNIVASF), para desmistificar algumas atitudes apresentadas entre esses personagens. Também foram utilizadas fontes secundárias que foram necessárias para responder ao máximo de dúvidas que não foram ou não puderam ser respondidas por agressores e vítimas. Todas as iniciativas procuram mostrar o quanto é importante se pensar no tema, que ainda é uma realidade pouco acessada pela sociedade. Encerrado o período de coleta de dados, ampliou-se as leituras e pesquisas sobre casos relacionados ao tema, conceitos presentes nas falas dos entrevistados e buscas por outros materiais jornalísticos que colaborassem com a produção da escrita do livro. Destaca-se, nesse processo, a contribuição do livro, "Missoula", do escritor Jon Krakauer, que estabeleceu nos Estados Unidos a única dinâmica constatada para se reportar sobre crimes de estupro. O livro promove uma análise do sistema judicial norte-americano, perante uma série de crimes de violência sexual em uma cidade universitária, juntamente com a riqueza de detalhes de informações extraídas de vítimas e estudos renomados de casos semelhantes, a exemplo dos estudos expostos pelo Dr. David Lisak. Seus argumentos por mais que tenham sido realizados em outro país reflete uma realidade que também é vivida em Petrolina e foram bastante utilizados para respaldar as informações passadas por vítimas e criptografar ações de estupradores.
 
DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO
No que tange a escolha do suporte, o formato de livro-reportagem é explicado por Lima (2004) pelo seu poder de informar e orientar em profundidade sobre ocorrências sociais, episódios factuais, acontecimentos duradouros e figuras humanas, de modo que ofereça ao leitor um quadro de contemporaneidade, capaz de situá-lo diante de múltiplas realidades. Outra questão a ser explicada é a especificação por livro-reportagem perfil, como um modelo que traça um retrato, segundo Netto (2010), detalhado de personagens famosos ou anônimos, individualizando a compreensão mais ampla possível do ser humano em destaque em cada matéria, revelando características psicológicas e comportamentais importantes. Expõem, assim, a complexidade real típica de uma vida humana, rompendo com os estereótipos limitantes que normalmente camuflam as pessoas nos veículos de comunicação, atrelando os conceitos do New Journalism a ideia de biografia. O conceito de perfil usado, tanto entre agressores quanto em vítimas, deve ser utilizado apenas como conceito técnico, ilustrativo para o formato de livro-reportagem produzido neste trabalho. Não se pode e não foi constatado durante toda a investigação, para além dos conceitos de machismo e patriarcado, outra característica que possa ser atribuída aos agressores, por isso tentar estabelecer um perfil desse tipo pode ser muito perigoso e servir apenas para a produção de outro preconceito. Em relação às vítimas, a psicóloga entrevistada também deixou claro que os níveis e as formas de traumas causados nas mulheres são detectados em diferentes formas. Pela força e peso da temática, procurou-se enriquecer o texto com metáforas leves e aproximar os leitores dos fatos com detalhes, em grande parte, modificados para proteger os personagens, que ganharam nomes de planetas do Sistema Solar. A escolha do título "Silêncios que ecoam" partiu da compreensão que, paradoxalmente, o silenciamento sobre a violência sexual contra as mulheres ecoa, repercute na sociedade de várias formas, colaborando para seu enraizamento, assim, surgiu o subtítulo "corpos, dinâmica e campo gravitacional da Cultura do Estupro em Petrolina". A lembrança do sistema solar, composto por diversos corpos celestes e sua dinâmica e campo gravitacional, ajudaram na construção dessa metáfora exposta a partir da ideia de corpos, como os agressores e vítimas; dinâmica, a descrição dos crimes e o que caracteriza o estupro enquanto crime; e o campo gravitacional, a ilustração dos diversos espaços em que essa cultura se solidifica na sociedade pela força do patriarcado, do machismo etc. O desenho que compõe a capa do livro exemplifica essa ideia. Ao fundo um universo que mescla a escuridão do desconhecido e o azul de algumas estrelas distantes, onde gravita o corpo de uma mulher que se mostra nu. Os movimentos dos seus braços expressam a necessidade de se proteger da dor e do medo que a violência sexual provoca, bem como serve para esconder seus olhos e marcar o seu silêncio. Seu corpo levita pelo universo, fazendo uma analogia a circunspecção do espaço, e ao fundo, existe um sol que lembra a identidade que mantém e configura essa mulher numa dinâmica de subserviência. O conceito de uma letra comum em máquinas de datilografar remete aos casos do antigo jornalismo policial e a forma antiquada que algumas mulheres ainda são tratadas em departamentos policiais. A cor amarela do título foi usada tanto para contrastar com o azul do universo, como também por ser uma das cores primárias que representa acolhimento, estimulação e esperança, um conjunto de sentimentos que o livro deseja despertar tanto nas vítimas quanto nos seus leitores, estimulando a sociedade a quebrar o tabu de falar no assunto e acolhendo e dando esperança as vítimas, para que elas possam denunciar as violências sexuais. O livro está dividido em três partes distintas, que se completam por amarrar entre histórias e conceitos práticas do dia-a-dia de pessoas das mais diferentes classes, inseridas em espaços e situações distintas. Liberdade, Culpa e Silêncio são as três características sentidas entre todos os perfilados. Como algumas se manifestaram de forma mais incisiva entre os grupos foi separado da seguinte forma: Liberdade foi a ação que despertou o interesse em escrever um livro com traços tão fortes e o processo ao qual levou a sentir esse desejo foi a vontade de que outras mulheres partilhassem esse ensejo, buscassem sua liberdade social, não ficassem restritas e acreditando na dominação masculina sobre seus corpos. Culpa é a parte destinada aos verdadeiros autores da violência sexual – o machismo e o patriarcado, tipificados na ação de alguns homens que acreditaram na sua formação ideológica, partilharam o sentimento hierárquico de dominação sobre as mulheres e praticaram o crime de estupro. Foram julgados e condenados pela mesma sociedade que incentivou a cometer essa prática. Hoje, silenciam sobre os detalhes dos crimes que cometeram por medo e desejam uma simples liberdade, sair da prisão. Silêncio, além de ser o principal responsável pela dinâmica de perpetuação da Cultura do Estupro, é o sentimento exercido pelas vítimas. Nessa parte do livro, é possível compreender que os dados realmente não são tão corretos, devido a subnotificação dos crimes. Apesar de terem se negado a registrar nas instituições responsáveis seus casos de violência sexual, essas mulheres falaram muito mais sobre a violência do que os agressores. Nesse sentido dentro dos seis capítulos, buscou-se destacar diferentes manifestações da Cultura do Estupro na cidade de Petrolina, e mostrar algumas características peculiares que atravessam não só a cidade, mas outros espaços, levando a acreditar que a Cultura do Estupro tem uma abrangência muito maior. Os títulos constroem de forma literária e aleatória as características as quais a Cultura do Estupro se sustenta. Assim temos, o Capítulo 1 – O homem de abadá laranja, que faz referência as características que o personagem apresenta durante as entrevistas; Capítulo 2 – Concupiscência, nome pouco usual para a forma como traumas de violência sexual pode atingir a vida de uma criança; Capítulo 3 – Casa-grande Nordestina, uma analogia a um período no Nordeste, em que as práticas machistas eram ainda mais dominante; Capítulo 4 – A menina de short rosa, como uma homenagem a uma menina vítima de violência ainda criança; Capítulo 5 – Disparar o gatilho, que chama a atenção como ações rotineiras do dia-a-dia podem ser traumáticas para mulheres vítimas de estupro; e Capítulo 6 – Cheiro de goiaba, uma referencia ao cheiro da goiaba como a lembrança fixa de como uma violência que permanece viva na memória de uma vítima. A escrita em primeira pessoa do texto também reflete os aspectos do Narrador Personagem, quando a história da pesquisadora se mistura aos fatos inerentes ao enredo somando sua percepção da realidade sobre os demais personagens. Entre as variantes de narrador-personagem foi utilizado o testemunhal, nesse modelo, são descritos os acontecimentos como o encontro com os entrevistados e alguns dos sentimentos compartilhados. No formato de narrador personagem testemunha, sua participação não é onipresente, nem onisciente e não tem destaque de personagem principal. Além desses aspectos, é importante classificar a produção deste livro-reportagem como fruto da prática de um jornalismo interpretativo, uma vez que, após a coleta de entrevistas, revisão bibliográfica, foi traçado um formato que através de uma interpretação aprofundada tenta explicar ao leitor como teoria e prática sobre Cultura do Estupro se fundem. Buscou-se contextualizar, através das histórias de vidas de agressores e vítimas de violência sexual, aspectos relacionados ao machismo e ao patriarcado, com algumas informações que se fizeram presente apenas para respaldar a iniciativa deste estudo e sua pertinência para o campo do jornalismo.
 
CONSIDERAÇÕES
Durante a graduação do curso de Jornalismo, as teorias da comunicação juntamente com disciplinas voltadas para o campo da sociologia, psicologia e filosofia ensinam que a profissão vai muito além de reportar informações, é produção de conhecimento, crescimento pessoal e contribuição social. Assim, além de todos os conhecimentos adquiridos, a humanização e empatia foram o ponto alto juntamente com a redenção sentida pelas vítimas que decidiram quebrar o silêncio. ਀䔀猀挀爀攀瘀攀爀 猀漀戀爀攀 愀 䌀甀氀琀甀爀愀 搀漀 䔀猀琀甀瀀爀漀  琀爀愀渀猀昀漀爀洀愀爀 愀 瘀椀漀氀渀挀椀愀 焀甀攀 愀琀 攀渀琀漀 攀爀愀 洀甀搀愀 攀洀 甀洀愀 最爀愀渀搀攀 漀渀搀愀 搀攀 戀愀爀甀氀栀漀猀 焀甀攀 瀀漀猀猀愀洀 攀洀甀搀攀挀攀爀 渀漀 洀甀氀栀攀爀攀猀 攀 猀椀洀 愀 瀀爀琀椀挀愀 搀漀猀 愀最爀攀猀猀漀爀攀猀⸀ 䐀攀猀猀愀 昀漀爀洀愀Ⰰ 琀愀洀戀洀 昀漀椀 椀洀瀀漀爀琀愀渀琀攀 挀漀渀栀攀挀攀爀Ⰰ 愀琀爀愀瘀猀 搀愀 栀椀猀琀爀椀愀 挀漀洀漀 愀 爀攀愀氀椀搀愀搀攀 昀漀椀 挀漀渀猀琀爀甀搀愀 瀀漀爀 洀攀椀漀 搀漀猀 瀀愀瀀椀猀 搀攀 最渀攀爀漀 攀 焀甀攀 氀攀瘀愀爀愀洀 愀猀 洀甀氀栀攀爀攀猀 愀 漀挀甀瀀愀爀 甀洀 氀甀最愀爀 猀甀戀愀氀琀攀爀渀漀 渀愀 猀漀挀椀攀搀愀搀攀 攀洀 爀攀氀愀漀 愀漀猀 栀漀洀攀渀猀 焀甀攀 愀猀 猀甀挀甀洀戀椀 搀漀 搀椀爀攀椀琀漀 搀攀 爀攀猀瀀漀渀搀攀爀 瀀攀氀漀 瀀爀瀀爀椀漀 挀漀爀瀀漀 攀 猀甀愀猀 瘀漀渀琀愀搀攀猀⸀ Para além dessas, a conclusão desta pesquisa pode-se ser considerada como contribuição acadêmica, social e pessoal de que a Cultura do Estupro é um fator real que impulsiona e torna reféns de um sistema que alimenta a violência sexual até nas mínimas ações, homens e mulheres e todo o futuro de uma sociedade fadada ao fracasso de costumes sociais preconceituosos e subordinadores. Assim, este trabalho é um grito de liberdade de todas as mulheres citadas aqui. Infelizmente, as palavras não vão poder retirar a dor e todos os anos de sofrimento vividos por elas, mas ele pode servir de alento para que essas vítimas de estupro se conscientizem que não são culpadas do crime que sofreram e é também um convite para que outras mulheres venham a romper com o silêncio e possam ir em busca de sua liberdade.਀㰀⼀琀搀㸀㰀⼀琀爀㸀㰀琀爀㸀㰀琀搀 挀漀氀猀瀀愀渀㴀∀㈀∀㸀☀渀戀猀瀀㬀㰀⼀琀搀㸀㰀⼀琀爀㸀㰀琀爀㸀㰀琀搀 挀漀氀猀瀀愀渀㴀∀㈀∀㸀㰀猀瀀愀渀 猀琀礀氀攀㴀∀挀漀氀漀爀㨀 ⌀      ∀㸀㰀戀㸀刀䔀䘀䔀刀쨀一䌀䤀䄀匀 䈀䤀䈀䰀䤀伀䜀刀섀䤀䌀䄀匀㰀⼀戀㸀㰀⼀猀瀀愀渀㸀㰀⼀琀搀㸀㰀⼀琀爀㸀㰀琀爀 眀椀搀琀栀㴀∀㤀 ─∀㸀㰀琀搀 挀漀氀猀瀀愀渀㴀∀㈀∀㸀䌀䄀䴀倀伀匀Ⰰ 䄀渀搀爀攀愀 䄀氀洀攀椀搀愀⸀ 䄀 挀甀氀琀甀爀愀 搀漀 攀猀琀甀瀀爀漀 挀漀洀漀 洀琀漀搀漀 瀀攀爀瘀攀爀猀漀 搀攀 挀漀渀琀爀漀氀攀 渀愀猀 猀漀挀椀攀搀愀搀攀猀 瀀愀琀爀椀愀爀挀愀椀猀⸀ 刀攀瘀椀猀琀愀 䔀猀瀀愀漀 愀挀愀搀洀椀挀漀 渀⸀ ㄀㌀㠀⸀ 䄀最漀猀琀漀 搀攀 ㈀ ㄀㘀⸀㰀戀爀㸀㰀戀爀㸀䐀唀䄀刀吀䔀Ⰰ 䨀漀爀最攀㬀 䈀䄀刀刀伀匀Ⰰ 䄀渀琀漀渀椀漀⸀ 䴀琀漀搀漀 攀 吀挀渀椀挀愀猀 搀攀 倀攀猀焀甀椀猀愀 攀洀 䌀漀洀甀渀椀挀愀漀⸀ 匀漀 倀愀甀氀漀㨀 䄀琀氀愀猀Ⰰ ㈀  㔀⸀㰀戀爀㸀㰀戀爀㸀䐀刀唀䴀伀一吀Ⰰ 䴀愀爀礀 倀椀洀攀渀琀攀氀⸀ 䔀氀攀洀攀渀琀漀猀 瀀愀爀愀 甀洀愀 愀渀氀椀猀攀 搀漀 洀愀挀栀椀猀洀漀⸀ 倀攀爀猀瀀攀挀琀椀瘀愀猀Ⰰ 匀漀 倀愀甀氀漀Ⰰ ㌀㨀㠀㄀ⴀ㠀㔀Ⰰ ㄀㤀㠀 ⸀ 䐀椀猀瀀漀渀瘀攀氀 攀洀㨀 栀琀琀瀀㨀⼀⼀猀攀攀爀⸀昀挀氀愀爀⸀甀渀攀猀瀀⸀戀爀⼀瀀攀爀猀瀀攀挀琀椀瘀愀猀⼀愀爀琀椀挀氀攀⼀瘀椀攀眀ⴀ 䘀椀氀攀⼀㄀㘀㤀㘀⼀㄀㌀㜀㜀⸀ 䄀挀攀猀猀愀搀漀 攀洀㨀 ㄀㌀⼀ 㘀⼀㈀ ㄀㜀⸀㰀戀爀㸀㰀戀爀㸀䰀䤀䴀䄀Ⰰ 䔀搀瘀愀氀搀漀 倀攀爀攀椀爀愀⸀ 倀最椀渀愀猀 愀洀瀀氀椀愀搀愀猀㨀 漀 氀椀瘀爀漀ⴀ爀攀瀀漀爀琀愀最攀洀 挀漀洀漀 攀砀琀攀渀猀漀 搀漀 樀漀爀渀愀氀椀猀洀漀 攀 搀愀 氀椀琀攀爀愀琀甀爀愀⸀ ㈀⸀攀搀⸀ 匀漀 倀愀甀氀漀㨀 䴀愀渀漀氀攀Ⰰ ㈀  㐀㰀戀爀㸀㰀戀爀㸀一䔀吀吀伀Ⰰ 䌀氀漀 䤀戀攀氀氀椀 䌀漀攀氀栀漀⸀ 䜀刀䄀一䐀䔀 刀䔀倀伀刀吀䄀䜀䔀䴀㨀 䨀伀匀준 䠀䄀䴀䤀䰀吀伀一 刀䤀䈀䔀䤀刀伀㨀 刀䔀倀팀刀吀䔀刀 倀伀刀 嘀伀䌀䄀윀쌀伀 ⸀  䄀渀漀 ㈀ ㄀ ⸀ 䈀椀戀氀椀漀琀攀挀愀 唀渀椀瘀愀瀀⸀ 䐀椀猀瀀漀渀瘀攀氀 攀洀 栀琀琀瀀㨀⼀⼀戀椀戀氀椀漀琀攀挀愀⸀甀渀椀瘀愀瀀⸀戀爀⼀搀愀搀漀猀⼀    ㈀㠀⼀    ㈀㠀挀㘀⸀瀀搀昀㰀戀爀㸀㰀戀爀㸀倀䄀䤀嘀䄀Ⰰ 䌀愀爀氀愀 䌀⸀ 䐀愀 匀⸀ 䴀甀氀栀攀爀攀猀 渀漀爀搀攀猀琀椀渀愀猀Ⰰ 猀甀樀攀椀琀漀猀 漀甀 漀戀樀攀琀漀猀㼀 䄀渀氀椀猀攀 搀愀 爀攀瀀爀攀猀攀渀琀愀漀 昀攀洀椀渀椀渀愀 攀洀 焀甀愀琀爀漀 昀椀氀洀攀猀 戀爀愀猀椀氀攀椀爀漀猀 搀愀 搀挀愀搀愀 搀攀 漀椀琀攀渀琀愀⸀ ㈀ ㄀㐀⸀ ㌀㄀㜀 昀⸀ 吀攀猀攀 ⠀䐀漀甀琀漀爀愀搀漀 攀洀 䴀甀氀琀椀洀攀椀漀猀⤀ ጀ†唀渀椀瘀攀爀猀椀搀愀搀攀 䔀猀琀愀搀甀愀氀 搀攀 䌀愀洀瀀椀渀愀猀⸀㰀戀爀㸀㰀戀爀㸀ऀ㰀⼀琀搀㸀㰀⼀琀爀㸀㰀⼀琀愀戀氀攀㸀㰀⼀戀漀搀礀㸀㰀⼀栀琀洀氀㸀