ÿþ<html><head><meta http-equiv="Content-Type" content="text/html; charset=iso-8859-1"><title>XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste</title><link rel="STYLESHEET" type="text/css" href="css.css"></head><body leftMargin="0" topMargin="0" marginheight="0" marginwidth="0"><table width="90%" border="0" align="center" cellPadding="1" cellSpacing="1"><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td width="20%"><span style="color: #000000"><b>INSCRIÇÃO:</b></span></td><td width="80%">&nbsp;00126</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span style="color: #000000"><b>CATEGORIA:</b></span></td><td>&nbsp;JO</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span style="color: #000000"><b>MODALIDADE:</b></span></td><td>&nbsp;JO13</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span style="color: #000000"><b>TÍTULO:</b></span></td><td>&nbsp;Vazio das águas: vidas submersas, identidades forjadas</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span style="color: #000000"><b>AUTORES:</b></span></td><td>&nbsp;João Pedro Ramalho Martins (Universidade do Estado da Bahia); Carla Conceição da Silva Paiva (Universidade do Estado da Bahia)</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span style="color: #000000"><b>PALAVRAS-CHAVE:</b></span></td><td>&nbsp;Atingidos por barragens, Jornalismo Literário, Memória, Reportagem de interesse humano, Sento-Sé-BA</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span style="color: #000000"><b>RESUMO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Em Sobradinho (BA), a construção de uma hidrelétrica pelo Governo Federal, entre 1973 e 1979, atingiu diversas populações que moravam às margens do rio São Francisco, deslocando-as e, em alguns casos, reassentando-as em outros espaços. Este trabalho buscou compreender como as narrativas de vida dos moradores de uma comunidade no município de Sento-Sé, formada por pessoas reassentadas, contribuiriam para traçar um perfil desse local. Para isso, foram realizadas entrevistas em profundidade, seguindo a metodologia da história oral, além de pesquisa bibliográfica e documental. Ao final, foi escrita uma série de três reportagens de interesse humano, intitulada  Vazio das Águas: vidas submersas, identidades forjadas , que uniu o aprofundamento da apuração jornalística com a linguagem literária e foi apresentada como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em 2017.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span style="color: #000000"><b>INTRODUÇÃO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">No Brasil, os grupos afetados negativamente pela construção de barragens passaram a ser denominados como  atingidos entre o final da década de 1980 e o início da década seguinte, a partir do surgimento do Movimento dos Atingidos por Barragens  MAB, organização nacional que luta pelos direitos dessas pessoas (MAGALHÃES, 2007; MAB, 2013). Para Raquel Viana (2003),  atingidos por barragens é um conceito amplo, que engloba, além daqueles que são deslocados e que possuíam títulos de suas terras,  as pessoas que não possuem o título de propriedade, as pessoas deslocadas por causa de outras partes do projeto, [...] as famílias que utilizam as terras comuns para pastagem do gado, colheita de frutos, vegetais e madeira , entre outros (VIANA, 2003, p. 34-35). A barragem de Sobradinho-BA, construída entre 1973 e 1979, no curso do rio São Francisco, é um desses empreendimentos. O lago artificial criado na região é um dos maiores do mundo (CHESF, 2016), mas sua formação também afetou a população local. Em Sento-Sé, município a 556 quilômetros de Salvador (BA), a comunidade de  Vazio das Águas  nome criado para essa série de reportagens a fim de preservar a localidade original  é povoada por moradores que vieram expulsos por força da construção dessa barragem e que foram reassentados pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco  CHESF  no povoado atual. Este trabalho partiu, assim, do seguinte questionamento: como as narrativas de vida dos moradores de  Vazio das Águas poderiam contribuir para delinear um perfil dessa comunidade, enquanto atingida pela construção da barragem de Sobradinho? Os resultados obtidos na pesquisa foram, então, relatados na série de reportagens de interesse humano (ASSIS, 2016)  Vazio das Águas: vidas submersas, identidades forjadas , que foi apresentada em dezembro de 2017 como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da graduação em Comunicação Social  Jornalismo em Multimeios, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Juazeiro (BA). </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span style="color: #000000"><b>OBJETIVO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Sento-Sé foi um dos seis municípios que sofreram com o alagamento de grandes áreas às margens do rio São Francisco. Além desse, Sobradinho  à época distrito de Juazeiro  , Casa Nova, Remanso, Xique-Xique e Pilão Arcado também tiveram diferentes porções de terra submersas pelo lago artificial, que possui 320 quilômetros de extensão, superfície de espelho d água de 4.214 quilômetros quadrados e mais de 34 bilhões de metros cúbicos de capacidade (CHESF, 2016). Este trabalho voltou-se para a localidade de  Vazio das Águas , em Sento-Sé, formada após a inundação, e teve como objetivo geral compreender quem são os atuais moradores do lugar, o funcionamento dessa comunidade e de que modo foram afetados pela construção da barragem de Sobradinho. Os objetivos específicos foram: traçar um perfil da comunidade de  Vazio das Águas , enquanto população atingida por barragem, com base em diversas histórias de vida e análise documental; identificar como se manifestam ou não os sentimentos de pertencimento desses moradores em relação a seus locais de origem e à comunidade em que foram reassentados, tanto no momento da migração forçada quanto 30 anos depois; e produzir uma série de reportagens de interesse humano, através da união das técnicas jornalísticas e literárias, representando lugares e narrativas dos moradores dessa comunidade, destacando as principais consequências para a vida dessas pessoas após a construção da barragem.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span style="color: #000000"><b>JUSTIFICATIVA</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Quando começou a ser construída, em 1973, a barragem de Sobradinho ainda não tinha o objetivo de gerar energia. Porém, um ano depois, o governo mudou sua estratégia e decidiu instalar no local uma hidrelétrica (SIGAUD, 1986), adotando uma visão desenvolvimentista de progresso  em harmonia com movimentos econômicos internacionais, num pragmatismo objetivo que ignorava as perdas das minorias mais diretamente afetadas (SILVA, 2010, p. 171). Essa visão passou a ser repercutida positivamente nos meios de comunicação a partir da década de 1970, ao mesmo tempo em que a imprensa destituía de voz as pessoas atingidas, invisibilizando-as e tratando-as como impasses ao crescimento econômico nacional (SILVA, 2008). De acordo com Magalhães (2007), ao final do processo de relocação das populações atingidas pela barragem, o número de famílias retiradas de suas terras chegou a 11.835, correspondendo a cerca de 70 mil indivíduos. Aproximadamente 56 mil delas eram camponeses (COSTA, 1990). Essas pessoas, inicialmente, tiveram dificuldades em acreditar na possibilidade da inundação. Por isso, e motivadas pela relação que tinham o rio, resistiram à mudança. Na região que seria alagada, a população tinha na agricultura de vazante sua principal fonte de subsistência. Além disso, a atividade agrícola após o início do período das chuvas (CEDAPE et al, 1985), a criação de animais e o trabalho com a pesca e a navegação eram outras formas de obtenção de renda baseadas na relação com o rio (LIMA, 2004). Os ribeirinhos, porém, acabaram relocados para diferentes destinos. O Projeto de Colonização Serra do Ramalho - PEC-SR, a 700 km de onde ocorriam as obras, foi um deles (SIGAUD, 1986). A maior parte das pessoas, contudo, precisou ser reassentada em núcleos à borda do lago ou em terras de sequeiro, afastadas do rio (SIGAUD, 1986). De acordo com Sigaud (1986), as famílias atingidas enfrentaram uma descapitalização cumulativa. Algumas causas da ausência de condições mínimas de subsistência foram as indenizações insuficientes, os recursos gastos com a construção das moradias e a necessidade de que os relocados criassem as próprias condições de trabalho nas novas terras. O reassentamento dos ribeirinhos em locais espalhados ainda provocou a perda das antigas referências de grupo e de valores comuns à coletividade, bem como de espaços de convivência e de expressão religiosa (SIGAUD, 1986). Ademais, as novas comunidades têm enfrentado problemas de infraestrutura até os dias atuais. Lima (2004), por exemplo, conta que, em Sento-Sé,  (...) a grande maioria da população, que habita o interior do município continua isolada, sem uma política de desenvolvimento econômico que atenda aos seus anseios e sem as mínimas condições que antes lhes eram asseguradas, como agricultura de subsistência e água em abundância (p. 70). O cenário de perda de direitos é comum não apenas aos moradores atingidos pela construção da barragem de Sobradinho, mas a todos os atingidos em nível nacional, conforme atesta uma pesquisa do MAB e do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana  CDDPH, segundo a qual essas pessoas ainda sofrem, ao todo, violações em 16 direitos humanos (ANAB, 2013). E foi esse cenário que motivou o desejo por ouvir o que essas pessoas, quase sempre silenciadas, têm a dizer sobre si mesmas, para, a partir das experiências dos habitantes de uma das comunidades de reassentados, traçar um perfil dessas  realidades como um todo. Por fim, a escolha pela construção de uma série de reportagens de interesse humano, como o suporte para essas histórias, explica-se pela necessidade de abarcar um trabalho de investigação mais denso, com reportagens mais profundas, amplas e detalhistas, ao mesmo tempo em que se adota uma postura ética e humanizada, através de uma linguagem simples e leve (ASSIS, 2016). Essa combinação se encaixa nas exigências do trabalho com as histórias de vida dos atingidos, o qual deve ser humanizado e responsável em todas as suas etapas.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span style="color: #000000"><b>MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Este trabalho foi realizado em uma comunidade, nomeada aqui como  Vazio das Águas , localizada no interior de Sento-Sé e que fica situada a doze quilômetros do rio São Francisco. Ela é formada, principalmente, por moradores relocados pela construção da Barragem de Sobradinho-BA e por suas famílias. Os sujeitos da pesquisa foram três homens e cinco mulheres, com idades entre 62 e 87 anos, cuja principal atividade econômica é a agricultura. Nas entrevistas, realizadas entre julho e setembro de 2017, a assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) garantiu a preservação das identificações desses moradores, assim como a troca do nome da comunidade por uma alcunha fictícia. Esta investigação possuiu uma natureza qualitativa. De acordo com Minayo (2002), a pesquisa qualitativa trabalha com um  universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (p. 21-22). Esse tipo de abordagem focaliza as relações humanas e os significados das ações dos indivíduos, mais do que  dados matemáticos , objetivos (MINAYO, 2002). Dentre os possíveis caminhos em pesquisa qualitativa, o escolhido foi a história oral, definido por Alberti (2005) como uma metodologia que  privilegia a realização de entrevistas com pessoas que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos, conjunturas, visões de mundo, como forma de se aproximar do objeto de estudo (p. 18). A história oral parte, assim, da busca pelas memórias dos sujeitos que estiveram envolvidos com os acontecimentos sobre os quais se pesquisa. Nesse sentido, enfatiza-se algumas considerações de Pollak (1992) a respeito da memória, tanto individual quanto coletiva. Para esse autor, ela é composta principalmente por três elementos: os acontecimentos, as personagens e os lugares, que podem ter sido vividos diretamente ou  projetados de outras pessoas e épocas. Além disso, duas de suas características principais são a seletividade e o fato de ser construída. Os fatores que podem operar nesse processo de construção seletiva, como os contextos familiares, políticos, ideológicos, revelam que, por mais individual que seja essa memória, ela não pode ser isolada do âmbito social (MATTOS; SENA, 2011). Na verdade, o que a pesquisa demonstrou foi que a memória é muito mais elaborada em grupo do que isoladamente. Diversas vezes, durante as conversas, as pessoas precisaram recorrer a familiares, amigos ou outras fontes para confirmar determinadas informações. Assim, foi possível perceber como essa distinção entre o individual e o coletivo é mais teórica do que efetivamente real. Pollak (1992) também destaca que a memória é um dos elementos fundamentais para a construção do sentimento da identidade social de um grupo e das pessoas para com esse grupo. Identidade social é entendida, ainda por esse autor, como a  imagem de si, para si e para os outros (POLLAK, 1992, p. 204). Com isso, a memória é importante para gerar o sentimento de continuidade e de coerência dos indivíduos em relação aos grupos aos quais pertencem (POLLAK, 1992), podendo suscitar, portanto, o sentimento de pertencimento aos lugares onde essas pessoas vivem/viveram. Durante a pesquisa, foi possível perceber que as pessoas entrevistadas possuem uma ligação afetiva muito maior com os lugares de onde saíram; não exatamente com os que de fato ficaram submersos, mas com aqueles que são continuamente reconstruídos em suas memórias. Ainda assim, o reconhecimento de que outros compartilham lembranças semelhantes é importante para que esses homens e mulheres também manifestem uma ligação em relação ao local onde vivem agora, mesmo que essa nova morada não seja permeada pelos mesmos sentimentos. A história oral enquanto uma metodologia é uma grande aliada na busca por alcançar os esquecimentos e os silêncios da narrativa oficial. No entanto, ao recorrer-se aos relatos das pessoas entrevistadas, deve-se evitar considerá-los como verdades absolutas (LE GOFF, 1990). O trabalho de pesquisa em história e nas áreas afins tem a obrigação, assim, de se pautar na crítica das fontes, sejam elas as tradicionais fontes escritas, sejam as orais (POLLAK, 1992). A técnica fundamental da história oral é a entrevista. Segundo Alberti (2005), a entrevista ganhou o status de um documento que revela  não mais o passado  tal como efetivamente ocorreu , e sim as formas como foi e é apreendido e interpretado (p. 19). Pode- se, então, ampliar os conhecimentos sobre os fatos históricos;  compreender a sociedade através do indivíduo que nela viveu ; e  estabelecer relações entre o geral e o particular através da análise comparativa de diversos testemunhos (ALBERTI, 2005, p. 19). Para Schostak e Barbour (2015), a entrevista permite mergulhar nas estruturas do discurso que sustentam as palavras dos sujeitos. Para chegar a esse objetivo, porém, esses autores defendem a necessidade de o momento ser conduzido para que o entrevistado pinte na mente do pesquisador o mundo que está em sua própria cabeça. Por isso, alguns pontos devem ser observados pelo entrevistador a partir dos relatos coletados, como as características do mundo que lhe é apresentado, as palavras usadas em sua descrição, os acontecimentos, os recursos e as rotinas, entre outros (SCHOSTAK; BARBOUR, 2015). As entrevistas seguiram o modelo semiestruturado em profundidade, que partiu de perguntas-base sobre determinados temas, ao mesmo tempo em que buscou dar abertura para que as respostas dos entrevistados fossem amplas (DUARTE, 2006). Inicialmente, foi montado um roteiro de perguntas sobre assuntos como: a vida antes da barragem; o processo de deslocamento; como era a comunidade quando chegaram; se as pessoas compreendem a si mesmas enquanto atingidas; de que forma descrevem suas vidas hoje e do que mais gostam e sentem falta no lugar. Logo na primeira entrevista, foi possível compreender que seguir à risca esse roteiro, inclusive com a ordem das perguntas, não resultaria no melhor caminho. Conforme recomendam Schostak e Barbour (2015), é importante ficar atento para os percursos tomados pelo interlocutor durante a conversa, quais assuntos ele aborda, a fim de que esse seja explorado até sua compreensão, para então ligar os pontos através de novas perguntas. Durante a visita à comunidade, também foram registradas algumas anotações, como observações sobre o dia-a-dia de seus moradores, a organização espacial das casas e outros espaços, entre outras. Além disso, foram feitas notas acerca dos comportamentos dos entrevistados e de características visuais, que pudessem ajudar no processo de tratamento dos dados e posterior caracterização das personagens. Por fim, destaca-se as demais bases que conduziram este trabalho: a revisão bibliográfica e a consulta documental. De acordo com Gil (2002), a pesquisa bibliográfica consiste na análise de materiais já elaborados, comumente associados a bibliotecas (ou catálogos e indexadores online). Já a pesquisa documental refere-se à consulta a materiais  brutos , que não foram submetidos a tratamentos analíticos. As fontes bibliográficas consultadas foram trabalhos acadêmicos, como dissertações de mestrado, artigos e livros, enquanto as documentais foram relatórios feitos por órgãos públicos, bem como diversos registros de indenizações e pedidos de reparação, feitos por moradores de Remanso, Pilão Arcado e Sento-Sé e reunidos na sede da Comissão Pastoral da Terra, em Juazeiro. As consultas à bibliografia e aos documentos foram importantes, principalmente, para acessar informações não contadas pelos entrevistados, seja por eles as desconhecerem ou por elas serem técnicas demais para que tivessem explicação em uma linguagem informal. Além disso, essas pesquisas foram relevantes para adotar uma compreensão mais crítica acerca dos processos que compõem as histórias dessa comunidade.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr> <td colspan="2"><span style="color: #000000"><b>DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">De acordo com Assis (2016), a reportagem de interesse humano é o formato básico do gênero jornalístico classificado por Marques de Melo (2009 apud ASSIS, 2016) como diversional. Para esse autor, tal gênero corresponde a um grupo de matérias escritas com recursos literários e distanciadas do relato objetivo presente no noticiário informativo (ASSIS, 2016). Esse tipo de reportagem tem como característica principal a capacidade de agradar os leitores através de sua linguagem, independente do conteúdo abordado, o qual deve estar sempre contido no mundo  real . Ainda segundo Assis (2016), tal formato se apropria das perguntas do lide, para  trabalhá-las de maneira mais atraente, adicionando-lhes elementos capazes de respondê-las e, de quebra, transformar o que se está contando em peça jornalística interessante, atraente, com estilo (p. 151). Assis (2014) acredita que o uso das técnicas da literatura na redação das reportagens de interesse humano não tornaria o Jornalismo Literário em um novo gênero. Pena (2008), por outro lado, considera esse um gênero à parte, mais do que apenas uma interface entre linguagens. Para esse último autor, tal vertente se fundamenta em sete principais itens: a potencialização dos recursos do jornalismo; a ultrapassagem dos limites do acontecimento cotidiano; a oferta de uma visão ampla da realidade; o exercício da cidadania; a fuga às respostas clássicas às perguntas do lide; a tentativa de evitar os definidores primários, como representantes de governo e especialistas; e a construção do enredo de forma que a história contada seja perene,  influenciando o imaginário coletivo e individual em diferentes contextos históricos (PENA, 2008, p. 15). Uma das estratégias possíveis para capturar o leitor desses textos reside nos quatro princípios estabelecidos por Tom Wolfe, no manifesto do  Novo Jornalismo , e baseados na escrita literária: a reconstrução da história a partir de cenas, o registro de diálogos completos, a apresentação das situações a partir de pontos de vista de personagens diferentes e a descrição de características simbólicas das personagens, como hábitos, gestos e roupas (PENA, 2008). Nessa perspectiva, algumas obras jornalísticas serviram de inspiração para a escrita das reportagens que compõem a série  Vazio das Águas: vidas submersas, identidades forjadas , como os livros  A Sangue Frio , de Truman Capote (2003);  O Olho da Rua , de Eliane Brum (2017); e  A felicidade mora ali... , de Christyanne Rosa Caldas (2017). Além desses, destaco o livro  Tocaia Grande , de Jorge Amado (2008). Esse último, apesar de seu caráter integralmente literário, foi importante para iluminar os caminhos na construção do retrato de um lugar, demonstrando a possibilidade de estruturar o perfil de uma comunidade a partir de pequenos relatos individuais. Da união dessas inspirações, as reportagens de  Vazio das Águas surgiram, construídas a partir da  soma de pequenas cenas. Ao criá-las, buscou-se dotá-las da verossimilhança; ou seja, da  mimetização da realidade (PENA, 2008). Embora as histórias, na maioria das vezes, não tenham sido descritas pelos entrevistados exatamente da forma que foram desenvolvidas na série, todas são episódios possíveis, já que partiram de situações e aspectos de suas vidas contados por eles. Também houve um esforço para aproximar as palavras, os diálogos, os gestos e a interação entre as personagens à forma como foram observadas em campo. Das palavras utilizadas pelos moradores surgiu, ainda, a inspiração para o nome da comunidade. Vários interlocutores referiam-se ao lugar como um  buraco . Pesquisando por sinônimos, surgiu o vocábulo  vazio . Porém, essa palavra ainda pedia um complemento. As maiores ausências sentidas pela comunidade sempre foram as águas: a que deveria abeirar-se às casas através do sistema de abastecimento e as que correm no leito do agora distante rio São Francisco. Unindo os dois termos, chegou-se a  Vazio das Águas", que se tornou também o título da série. Através dos relatos, também foi possível perceber que essas pessoas elaboram sua existência em comparação com o passado inundado pelo lago de Sobradinho, como se as melhores experiências de suas vidas tivessem ficado sob as águas. Porém, como foi preciso recomeçar em um novo lugar, esses moradores passaram pelos processos de tradução a que Hall (2011) se refere, operando em uma transição entre uma referência afetiva às antigas moradias e a inevitabilidade do presente no  Vazio . Ou seja: foi necessário, e ainda é, um trabalho de fusão e de remodelação dessas identidades, como o ferro em uma forja. De todas essas reflexões, nasceu, então,  Vazio das Águas: vidas submersas, identidades forjadas . Já os protagonistas da história receberam, como pseudônimos, os nomes de outras hidrelétricas construídas no Brasil. Com isso, as principais relações mantidas com as características reais dos entrevistados foram o gênero e aspectos psicológicos. As hidrelétricas que  forneceram seus títulos para os heróis desta série foram: Itaipu (PR), Itumbiara (GO/MG), Itapebi (MG/BA), Ilha Solteira (SP), Jaguara (MG/SP), Machadinho (RS/SC), Itaparica (PE/BA)  antigo nome da Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga  e Xingó (AL/SE). Nas reportagens, optou-se por utilizar um narrador onisciente (em terceira pessoa), que não participa dos acontecimentos, o que de fato ocorreu no mundo  real . A história de  Vazio das Águas traz marcados momentos considerados importantes na formação dessas identidades e da comunidade: a vida antes da barragem e o deslocamento após a descoberta da chegada da hidrelétrica, presentes na primeira reportagem, que, por esse motivo, ficou maior, com trinta e quatro páginas; e a reconstrução dessas vidas na nova localidade depois do reassentamento, narrada nas outras duas integrantes da série, com em média vinte páginas cada uma. A primeira reportagem da série é  Vidas nas margens . Ela se inicia com um salto em um ponto futuro, diretamente com o aspecto mais conhecido da história da barragem, para depois confrontá-lo com sua versão invisibilizada. Em seguida, a narrativa volta no tempo, com a apresentação das personagens principais a partir do aspecto mais forte de suas vidas, quebrado com a hidrelétrica: a relação com o rio São Francisco. Ainda nessa reportagem, é apresentado o momento do recebimento da notícia de que o rio seria represado e as alternativas de relocação que a construtora da hidrelétrica planejou ou se viu obrigada a oferecer. Encerra-se essa narrativa com o fechamento do reservatório, a inundação das antigas casas e o processo de deslocamento. Os  Modos de sobrevida encontrados pela população da nova comunidade, surgida após a relocação, abrem a segunda reportagem. Nela, buscou-se retratar o que Sigaud (1986) chama de descapitalização dos trabalhadores atingidos pela barragem, ou seja, suas dificuldades em conseguir um sistema de produção efetivo e em possuir dinheiro. Já a terceira e última reportagem é a que reúne mais elementos contemporâneos, por ilustrar a  Ínfima estrutura da comunidade. Os principais problemas levantados pelos moradores nas entrevistas são retratados aqui, como a falta de um serviço de saúde acessível a uma população que se sente mais doente. Também aparecem pontos considerados positivos, como a presença de uma estrada que vai até Juazeiro, mas que ainda são vistos como mínimos em relação aos negativos. Outro marco na história recente da comunidade é retratado: a luta pela chegada do abastecimento de água aos lares, vencida há cerca de dois anos. Por fim, um questionamento sobre os tempos que serão vivenciados pelas novas gerações encerra essa narrativa. Vale ressaltar, em último lugar, que a série  Vazio das Águas: vidas submersas, identidades forjadas tem um projeto gráfico simples, cuja intenção é valorizar os espaços em branco e o próprio texto. As tipografias utilizadas foram Garamond, tamanho 12, para os textos, e Georgia, tamanhos 14 e 12, para os títulos.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span style="color: #000000"><b>CONSIDERAÇÕES</b></span></td></tr><tr width="90%"> <td colspan="2" align="justify">Após as visitas ao  Vazio das Águas e as análises bibliográfica e documental, foi possível perceber como os moradores mais velhos da comunidade elaboram a si mesmos e a sua relação com o lugar muito em função dos efeitos causados pela Barragem de Sobradinho. Isso porque o empreendimento conduzido pela Chesf causou grandes rupturas em seus modos de vida e em suas relações sociais, as quais, até hoje, não foram totalmente superadas. Notou-se que a forma como essas pessoas se voltam para os lugares de suas vidas depende, fundamentalmente, das vivências que os conduziram até agora e que as experiências após a chegada da Hidrelétrica obrigaram esses moradores a produzirem a si mesmos novamente, dia após dia, desafio após desafio. É visível que, a cada nova dificuldade encontrada, o vínculo afetivo desses sujeitos com suas antigas moradas tornava-se mais forte; ao mesmo tempo em que o reconhecimento da necessidade de superá-la em conjunto possibilitava o desenvolvimento da empatia. Entendeu-se, portanto, que o  Vazio das Águas , enquanto lugar, é formado por diversos  entre-lugares , conforme afirma Hall (2013). Constitui-se em um híbrido entre a alimentação das lembranças de um passado que ficou submerso pelas águas e a preocupação com as questões atuais que envolvem um lugar semiárido; e entre o desejo praticamente irrealizável de voltar ao seu local de origem e a luta por mínimas condições de sobrevivência no presente. Por fim, a produção da série de reportagens de interesse humano  Vazio das Águas: vidas submersas, identidades forjadas remete a outra reflexão: a de que a prática jornalística deve buscar a humanização, esbanjar da criatividade e recorrer à subjetividade. Especialmente, em contextos em que haja a necessidade de narrar histórias de vida de pessoas invisibilizadas, uma escrita que fuja à tradicional objetividade do jornalismo é possível e apenas tende a enriquecer o produto final.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span style="color: #000000"><b>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁICAS</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2">ALBERTI, Verena. Manual de história oral. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. <br><br>AMADO, Jorge. Tocaia grande. Rio de Janeiro: MEDIAfashion, 2008.<br><br>ASSIS, Francisco de. Jornalismo diversional: a diversão pela forma. Líbero, v. 19, n. 37. São Paulo, 2016. p. 143-152.<br><br>ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS. As lutas dos atingidos por barragens por direitos humanos. São Paulo: [s.n..], 2013.<br><br>BRUM, Eliane. O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real. 2. ed. Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2017.<br><br>CALDAS, Christyanne Rosa. A felicidade mora ali... (Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação Social  Jornalismo em Multimeios). Juazeiro: Universidade do Estado da Bahia, 2017.<br><br>CAPOTE, Truman. A sangue frio: relato verdadeiro de um homicídio múltiplo e suas consequências. São Paulo: Letras, 2003.<br><br>CENTRO ESTADUAL ESPECIALIZADO EM DIAGNÓSTICO, ASSISTÊNCIA E PESQUISA et al. A região do lago de Sobradinho. In: CURSO INTERNACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO RURAL INTEGRADO, 5., 1985, Salvador. p. 1-64.<br><br>COMPANHIA HIDRO ELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO. Sobradinho. (Website.) Recife: [s.n.], 2016. Disponível em: https://www.chesf.gov.br/SistemaChesf/Pages/SistemaGeracao/Sobradinho.aspx. Acesso em: 12 nov. 2017.<br><br>COSTA, Ana Luiza B. Martins. Barragem de Sobradinho: o desencontro cultural entre camponeses e técnicos do Estado. In: Hidrelétricas, ecologia e progresso  contribuições para um debate. Rio de Janeiro: Cedi, 1990. p. 55-67.<br><br>DUARTE, Jorge. Entrevista em profundidade. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio. (Org.) Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 62-83.<br><br>GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.<br><br>HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.<br><br>_____. Pensando a diáspora: reflexões sobre a terra no exterior. In: SOVIK, Liv. (Org.) Da diáspora: identidades e mediações culturais. 2 ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013. p. 27-55.<br><br>LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990.<br><br>LIMA, Aurilene Rodrigues. Memórias dos Lameiros do Velho Chico: história da população transplantada para Quixaba, Sento-Sé BA. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Petrolina: Universidade Federal de Pernambuco, 2004.<br><br>MAGALHÃES, Sônia Barbosa. Lamento e Dor: Uma análise sócio-antropológica do deslocamento compulsório provocado pela construção de barragens. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Belém: Universidade Federal do Pará, Brasil, 2007; Universidade Paris 13, França, 2007.<br><br>MATOS, Júlia Silveira; SENNA, Adriana Kivanski de. História oral como fonte: problemas e métodos. Historiæ, v. 2, n. 1. Rio Grande, 2011. p. 95-108.<br><br>MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, técnica e arte: O desafio da pesquisa social. In: ___. (Org). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. 21 ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 9-29.<br><br>MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS. Afirmações políticas do 7º Encontro Nacional do MAB: Água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular. São Paulo: [s.n.], 2013.<br><br>PENA, Felipe. Jornalismo literário. São Paulo: Contexto, 2008.<br><br>POLLAK, Michel. Memória e Identidade social. Estudos históricos, n. 10. Rio de Janeiro, CPDOC, 1992. p. 200-215. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1941/1080>. Acesso em: 21 nov. 2015.<br><br>SCHOSTAK, John; BARBOUR, Rosaline S. Entrevista e grupos-alvo. In: Teoria e métodos de pesquisa social. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 99-107.<br><br>SIGAUD, Lygia. Efeitos sociais de grandes projetos hidrelétricos: as barragens de Sobradinho e Machadinho. Rio de Janeiro: Museu Nacional UFRJ, 1986.<br><br>SILVA, Patrícia Pereira da. A representação do Movimento dos Atingidos por Barragens na imprensa escrita: o caso da hidrelétrica Candonga/MG. Dissertação (Mestrado em Extensão Rural). Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 2008.<br><br>SILVA, Edcarlos Mendes da. Desterritorialização sob as águas de Sobradinho: ganhos e desenganos. Dissertação (Mestrado em Geografia). Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2010.<br><br>VIANA, Raquel. Grandes barragens, impactos e reparações: um estudo de caso sobre a barragem de Itá. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2003.<br><br> </td></tr></table></body></html>