Sabiá é um protótipo de aplicativo com conteúdo jornalístico destinado a crianças brasileiras de 8 a 12 anos que possuam celular ou tablet com internet, desenvolvido como Trabalho de Conclusão de Curso em Comunicação, com habilitação em Jornalismo, da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia.
O objetivo do produto é apresentar uma alternativa ao desfavorável cenário do jornalismo infantil brasileiro, possibilitando às crianças o consumo de informação de qualidade em um formato interativo. Dentre os maiores jornais em circulação paga do Brasil (ANJ, 2015) apenas os jornais A Tarde, na Bahia, e Estado de Minas, em Minas Gerais, ainda produziam suplementos infantis impressos. A diminuição das opções de produtos para esse público-alvo prejudica o direito de acesso à informação das crianças, cujas vidas também são afetadas pelos assuntos de interesse público. Esse direito está expresso no artigo 17 da Declaração dos Direitos das Crianças, homologada pela ONU em 1959. Pensando que essa é uma crise geral da instituição jornalística, que carece de novos modelos de negócio e dinamização de fontes de receita, pensar produtos para o público infantil é estratégico.
Dentre os formatos disponíveis, escolhemos o aplicativo por conta do alto crescimento do mercado de produtos/serviços relacionados a plataformas móveis. Em 2017, o número de downloads de aplicativos em todo o mundo alcançou 175 bilhões, segundo levantamento da Annie App (um crescimento de 60% em relação à 2015), sendo que o Brasil ocupa o quarto lugar nesse número de downloads.
Para entender o uso de celulares por parte de crianças e adolescentes, usamos a pesquisa Tic Kids Online Brasil divulgada em 2016. Os resultados mostram que 70% das pessoas de 10 a 15 anos baixaram aplicativos nos três meses anteriores à pesquisa, sendo que a “busca por informações” representava 67% da ação online. Além dos números estimulantes do mercado, a criação deste protótipo vem em um momento em que outros aplicativos similares têm despontado no mercado. O mais antigo deles, o americano News-O-Matic, foi lançado em 2013 e é continuamente atualizado.
Após a decisão do formato, partimos para a definição da faixa etária a ser atingida por nosso produto. A idade mínima, de 8 anos, é considera a idade ideal para alfabetização no Brasil, segundo o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Além do letramento, é por volta dos 8 anos que a criança diminui a constância do que Piaget chama de “linguagem egocêntrica” nos livros A Linguagem e o Pensamento da Criança (Fundo de Cultura, 1973) e O Raciocínio na Criança (Record, 1967). Ou seja, a partir dessa idade, ela começaria a desenvolver seu instinto social, se interessando verdadeiramente por assuntos externos a si. A idade máxima, de 12 anos, é estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca) como o último ano da infância. O público-alvo foi calculado da seguinte maneira: aplicamos os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada em 2016, na projeção populacional feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2018, obtendo os seguintes valores: 11,1 milhões de pessoas de 10 a 14 anos têm acesso à internet e 8,7 milhões têm celular no Brasil. |
Para entender o mercado do qual este protótipo está inserido, mapeamos outros aplicativos de conteúdo jornalístico direcionado ao público infantil. O canal escolhido para pesquisa foi a loja virtual Google Play, visto que o sistema operacional Android é o mais popular do mundo. Nela, identificamos seis aplicativos similares: GutenNews (brasileiro), Le Progrès des Enfants (francês), Dimoitou News (francês), News-O-Matic (americano), Kids Age (indiano) e Kiwi Kids News (novazelandense). Todos estão disponíveis na seção “Educação”, de classificação livre e download gratuito. Foram analisados os seguintes aspectos: fontes de renda, funcionalidades, periodicidade de publicação e interface. Levamos em consideração as informações disponíveis na Google Play e nos canais online das empresas e os aspectos da nossa experiência pessoal de navegação como usuário.
Concomitantemente, fizemos uma revisão teórica sobre linguagem e desenvolvimento infantil, tendo como base os livros de Piaget já citados, e sobre os principais problemas já identificados em trabalhos anteriores de análise do jornalismo infantil. O primeiro é a baixa variedade de assuntos abordados nas matérias; entretenimento, majoritariamente. O segundo déficit (poucos mecanismos de participação) foi alvo principal da nossa atenção, visto que nosso protótipo é mais preocupado com o formato da plataforma do que com o conteúdo. Historicamente, as vozes das crianças sempre tiveram pouca relevância nesses produtos, aparecendo pouco como personagens das matérias e nas escolhas editoriais. As análises foram tiradas, principalmente, do relatório Esqueceram de Mim: Jornais Brasileiros Ignoram Potencial Pedagógico dos Cadernos Infantis (ANDI, 2002) e do livro A Criança e a Mídia: Imagem, Educação, Participação (Cortez, 2002), organizado por Ulla Carlsson e Cecilia von Feilitzen.
A partir dessas constatações, apontamos possíveis soluções através das funcionalidades de Sabiá, levando em consideração as seis propriedades características de notícias na web (hipertextualidade, interatividade, multimidialidade, personalização, atualização contínua, memória e tactilidade), descritas por Marcos Palacios e Rodrigo Cunha, em A Tactilidade em Dispositivos Móveis: Primeiras Reflexões e Ensaio de Tipologias (Revista Contemporanea, Salvador, v. 10, p. 668-685, 2012), além das possibilidades de utilização dos recursos próprios do aparelhos (GPS, acelerômetro, giroscópio, sensores de luz e proximidade), com base no artigo Jornalismo para Plataformas Móveis de 2008 a 2011: da Autonomia à Emancipação (Revista Líbero, v.14, n.28, p. 53-66, dez, 2011), de João Canavilhas e Douglas Santana.
No que tange ao uso da rede social e a privacidade dentro aplicativo Sabiá, cujas opções de configurações dão à criança a possibilidade de tornar suas informações privadas ou públicas para seus amigos, usamos o Modelo de Design de Privacidade para o Compartilhamento de Informações Pessoais em Redes Sociais Online (UFMG, Belo Horizonte, 2016), proposto por Maria Lúcia Vilella em sua tese de doutorado. A autora levou em consideração a definição de privacidade de Altman, em The Environment and Social Behavior: Privacy, Personal Space, Territory and Crowding (Monterry, CA, 1975), que a define como o poder de escolha dinâmico do sujeito sobre suas informações. O aplicativo obedece, ainda, às obrigações descritas no site da Google Play, que exige dos aplicativos da categoria familiar, onde ficam disponíveis os infantis, o cumprimento das diretrizes da COPPA - Lei de Proteção à Privacidade Online para Criança (Children’s Online Privacy Protection Act). |