ÿþ<html><head><meta http-equiv="Content-Type" content="text/html; charset=iso-8859-1"><title>XXII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste</title><link rel="STYLESHEET" type="text/css" href="css.css"></head><body leftMargin="0" topMargin="0" marginheight="0" marginwidth="0"><table width="90%" border="0" align="center" cellPadding="1" cellSpacing="1"><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td width="20%"><span class="quatro"><b>INSCRIÇÃO:</b></span></td><td width="80%">&nbsp;00202</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>CATEGORIA:</b></span></td><td>&nbsp;JO</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>MODALIDADE:</b></span></td><td>&nbsp;JO11</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>TÍTULO:</b></span></td><td>&nbsp;Os Caminhos de Dona Neusa - humanização e oralidade no jornalismo de perfil</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>AUTORES:</b></span></td><td>&nbsp;Giovana Santili Meneguim (Faculdades Integradas Rio Branco); Patrícia Sheila Monteiro Paixão Marcos (Faculdades Integradas Rio Branco)</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>PALAVRAS-CHAVE:</b></span></td><td>&nbsp;perfil, jornalismo literário, livro-reportagem, personagens anônimas, oralidade</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>RESUMO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Nos veículos jornalísticos tradicionais, os textos muitas vezes obedecem a um modelo caracterizado pelo uso do lide e da linguagem objetiva, que acaba por preterir a participação das personagens  elementos primordiais de qualquer narrativa. Ao contrário do modelo estabelecido, este artigo explora a narrativa de perfil como um espaço para o jornalismo humanizado, de profundidade, pautado em personagens anônimas e com características textuais literárias, tendo a oralidade como elemento de sustentação. Utilizando como mote o livro-reportagem Os Caminhos de Dona Neusa, redigido com base nesses preceitos, esta pesquisa demonstra que não só há espaço para este tipo de conteúdo, como que ele pode representar uma alternativa para jornalistas em tempos de reinvenção da profissão.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>INTRODUÇÃO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Como qualquer forma de narrativa, o produto jornalístico não pode prescindir de um elemento essencial: personagens. No entanto, a maneira como estes são inseridos no jornalismo varia de acordo com o propósito do trabalho e com o momento histórico vivido  afinal, sendo um produto das Ciências Humanas, o jornalismo influencia e é influenciado pelo contexto social em que está inserido. No século 19, quando a profissão era comumente exercida por escritores de literatura ficcional, o jornalismo acabou por receber influências do movimento realista, que pela primeira vez incluiu as pessoas comuns nas narrativas. Contudo, com a adoção pelas empresas jornalísticas do modelo industrial de produção entre os séculos 19 e 20 na passagem entre os séculos 19 e 20, o crédito da informação passa a ser atribuído apenas a fontes oficiais ou fontes do poder (MEDINA, 2001, p.18). Desde então, de tempos em tempos emergem movimentos que reinvidicam outras formas inclusão das personagens nos produtos jornalísticos, seja por parte dos próprios profissionais (como foi o New Journalism na década de 1960) ou do público leitor (como as atuais demandas de grupos sociais minoritários por espaço e representatividade). Visando construir um modelo capaz de preencher essa lacuna, este artigo explora o potencial das narrativas biográficas de personagens anônimas dentro do jornalismo como forma de humanizar os conteúdos e aproximar os temas apresentados nas reportagens do universo do leitor. Para isso, utiliza como base o livro-reportagem Os Caminhos de Dona Neusa, perfil biográfico de uma mulher nordestina e empregada doméstica que, levando em conta os critérios de noticiabilidade adotados pelos veículos convencionais, não teria sua história registrada pelo jornalismo.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>OBJETIVO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Apesar do pouco espaço dedicado a histórias de pessoas comuns nos veículos jornalísticos tradicionais, ainda mais por meio de uma abordagem humanizada, exemplos demonstram que existem procura e interesse por esse tipo de conteúdo. Conforme aponta Genro Filho, as personagens comuns começaram a figurar nas páginas dos jornais na segunda metade do século 19, e acabaram despertando o "interesse nos novos leitores". (1987, p.165-172). Porém, a dinâmica acelerada da produção industrial implantada nos veículos logo após esse período sufocou a criação de notícias e reportagens focadas realmente na personagem. Hoje, no modelo predominante, a caracterização das personagens "resume-se em geral a nomes, idades, categorias profissionais" (MARTINEZ, 2008, p. 36), e as fontes são selecionadas, segundo Medina (2001), conforme critérios que estreitariam o espaço de fala apenas a fontes relacionadas ao poder, seja ele político, cultural, econômico ou social. Mas mesmo nos períodos em que essa lógica prevalece, há obras jornalísticas que demonstram que não só é possível se pautar por caminhos alternativos, como que eles podem ser bem-sucedidos. Exemplo disso é "O Segredo de Joe Gould", perfil escrito por Joseph Mitchell que ainda hoje considerado uma das melhores reportagens da história. Segundo João Moreira Salles, parte desse sucesso ocorre "porque subitamente nos damos conta de que vidas anônimas podem ser extraordinariamente belas" (SALLES; MITCHELL, 2003, p.140-145). Com base nesses preceitos, este artigo demonstra que há potencial para o jornalismo humanizado na exploração de perfis de personagens anônimas. Um dos pilares utilizados para isso é a preservação da oralidade na transcrição dos relatos com o objetivo de transpor para o texto características importantes da identidade das pessoas retratadas. Por fim, busca-se apresentar a linguagem literária como uma alternativa para combinar esses elementos, tornar a leitura mais aprazível e facilitar a compreensão do leitor.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>JUSTIFICATIVA</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Atualmente, apesar da baixa frequência com que as personagens comuns aparecem nas notícias, existe demanda por histórias com as quais o público se identifique. Exemplo disso é a repercussão do filme "Que horas ela volta?" (2015), escrito e dirigido pela cineasta Anna Muylaert, que mesmo não pertencendo ao universo do jornalismo levantou debates importantes sobre situações reais. O longa-metragem, que apresenta um drama familiar partindo da perspectiva da família da empregada doméstica, conquistou a audiência pelo Brasil, registrando mais de 500 mil espectadores nos cinemas, segundo a diretora. Baseado na história real de uma empregada doméstica e sua filha, o enredo chegou a causar receios na equipe de que o longa-metragem não fosse aceito comercialmente. Muylaert relembra: "O fato do filme ter uma perspectiva diferente do normal e principalmente ser filmado de um jeito dito "culto"  o mercado compreendeu incialmente o filme não como um filme popular, mas como um filme de arte. Mas a prática provou o contrário". (MUYLAERT, 2016) Tal procura do público por personagens ou perspectivas alternativas também pôde ser identificada por Cremilda Medina durante um experimento feito com a série "São Paulo de Perfil", que reúne perfis jornalísticos de personagens anônimas da capital paulista desenvolvidos por alunos da Universidade de São Paulo. Durante a década de 1990, foi firmada uma parceria para que os livros publicados pela coleção fossem adotados em um projeto de leitura para estudantes de nível médio, com idades entre 16 e 17 anos. Ao final do experimento, a autora concluiu que "[...] pesa para o leitor de uma narrativa o grau de identificação com os anônimos e suas histórias de vida. De certa forma a ação coletiva da grande reportagem ganha em sedução quando quem a protagoniza são pessoas comuns que vivem a luta do cotidiano. Descobrir essa trama dos que não têm voz, reconstruir o diário de bordo da viagem da esperança, recriar os falares, a oratura dos que passam ao largo dos holofotes da mídia convencional, passou a ser um marco de pesquisa cada vez mais consistente no São Paulo de Perfil. [...] Contar uma boa história, afinal, é o segredo da reportagem". (MEDINA, 2003, p.52-53) Outra demonstração de que as personagens anônimas não só dizem muito sobre a sociedade que os cerca, mas despertam interesse é a obra "Quarto de despejo  Diário de uma Favelada", de Carolina Maria de Jesus. A escritora  uma mulher negra, mãe de três filhos, com baixa escolaridade, autodidata e catadora de papel  foi descoberta pelo jornalista Audálio Dantas na favela do Canindé, em São Paulo. Carolina Maria de Jesus escreveu diversos diários que relatavam o cotidiano e os costumes dos moradores da favela em que vivia. Por meio deles, fazia reflexões sobre a sociedade e seu tempo. Mesmo fugindo às regras gramaticais e padrões literários tidos como corretos, os diários de Carolina conquistaram grande repercussão: publicados como livro em 1960, em suas três edições vendeu 100 mil exemplares em mais de 40 países e foi traduzido para 13 idiomas. Ao trabalhar a narrativas de uma personagem anônima, Os Caminhos de Dona Neusa tanto atende à demanda demonstrada pela pesquisa de Cremilda Medina e pelo sucesso de obras como "Quarto de Despejo", "O Segredo de Joe Gould" e "Que horas ela volta?" quanto preenche as lacunas deixadas pelo jornalismo convencional contemporâneo no que diz respeito ao retrato de nosso tempo e ao espaço dedicado a minorias sociais.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Na confecção deste artigo e do livro-reportagem Os Caminhos de Dona Neusa foram adotadas cinco metodologias de pesquisa: entrevista, pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, pesquisa de campo e observação participante. Para o livro, a principal delas foi a entrevista, já que esse é o "método por excelência para a obtenção de dados quando o objeto é a vivência de pessoas a respeito de alguma coisa" (MARTINO, 2010). Para a coleta dessas informações, foram utilizados três tipos de entrevistas: aberta (ou informal), semiaberta (ou por pautas) e de profundidade. O modelo de entrevista aberta ou informal pode ser entendido como "quase um diálogo entre pesquisador e entrevistado. Há um roteiro de pesquisa, mas em termos bastante gerais  trata-se mais de um conjunto de tópicos para discussão do que propriamente perguntas mais definidas. A vantagem desse método é que se pode obter uma gama maior de informações do entrevistado." (MARTINO, 2010, p.22) As entrevistas de profundidade, por sua vez, são recomendadas para o registro de histórias de vida, como apontam Boni e Quaresma (2005, p. 72), porque permitem que o entrevistado revolva as vivências de forma retrospectiva. Com isso, pode ocorrer "a liberação de pensamentos reprimidos que chegam ao entrevistador em tom de confidência", o que faria destes materiais bastante ricos para análise, já que "neles se encontram o reflexo da dimensão coletiva a partir da visão individual". Estes dois tipos de entrevista encontram no livro-reportagem uma importante via de expressão, já que por suas características ambas permitem explorar o teor humano e subjetivo do entrevistado  premissas que, segundo Edvaldo Pereira Lima, fazem um livro-reportagem tornar-se atrativo para o leitor: "O livro-reportagem como produto da comunicação de massa, só consegue atrair à medida que propõe ao leitor uma viagem aos valores, às realidades de outros seres e de outras circunstâncias, de modo que encontre, naqueles traços que são universais à humanidade como espécie." (2009, p.143) Tal preceito é corroborado por Alex Criado, autor de pesquisa sobre a preservação da oralidade no registro jornalístico que se pretende humanizado. Criado defende que a grande-reportagem possibilita "a convivência de diferentes visões de mundo, pois elas também estão contidas na linguagem de cada ser humano". (2006, p.38) O recurso da oralidade, colocado em prática livro-reportagem Os Caminhos de Dona Neusa, foi utilizado também pelo jornalista José Hamilton Ribeiro na reportagem "Coronel não morre", publicada na revista Realidade em 1966: " O movimento está bom, coronel. Já alistamos 1.500 só em Carpina. Estas duas moças também são eleitoras, uma tem 16, a outra tem 17 anos, mas nóis aumentamos a idade&  Aumentou as duas pra 18, foi?  Foi.  Oxente, Maria, tu feiz as duas irmã ficá gêmeas& [...]" (RIBEIRO, 2010, p.51) Ribeiro explica que optou por manter no texto uma linguagem próxima à oral porque "escrever mirando no modo como se fala é um sinal da vontade de ser entendido" (RIBEIRO, 2016). O autor defende ainda que essa forma de contar uma história, que entende como sendo "mais descontraída", pode ser utilizada em qualquer texto, desde que se adote os devidos cuidados para não transformar a personagem em uma caricatura. Criado também defende a oralidade como forma de aproximar o leitor do texto, facilitando a compreensão: "Ao resgatar uma cena do passado que ela reproduziu você dá vivacidade ao relato: é como se você colocasse o seu leitor na cena, ouvindo aquilo" (CRIADO, 2016). O autor ressalta ainda que outro papel cumprido pela oralidade, quando trabalhada com a profundidade e contextualização necessárias, é quebrar preconceitos e estereótipos em relação a falares regionais e não cultos: "[...] É uma fala que você aceita como outro idioma, e eu acho que é essa a pretensão: de você aceitar cada registro como legítimo, e que cabe ao jornalismo incorporar isso". (CRIADO, 2016) Na mesma direção, Cremilda Medina alerta para a necessidade de superar a superficialidade das narrativas tradicionais, em que predominam os protagonistas oficiais: "Há uma demanda reprimida pela democratização das vozes que se fazem representar na mídia. Torna-se necessário mergulhar no protagonismo anônimo". (2003, p.93) O jornalismo, como um campo prático das ciências humanas, tem características que tornam sua atividade capaz de atender a este público, como afirma Martinez: "Assim, seja nas action stories (reportagens) ou nas quotes stories (entrevistas), as histórias e os depoimentos centram-se nas narrativas de seres humanos. Nada mais natural que a defesa da humanização da narrativa para atingir um público em potencial que a cada dia está mais perplexo diante de um mundo novo, globalizado e sistêmico". (2008, p.32) Tal como propõe Criado e como demonstrou Ribeiro, o livro-reportagem-perfil Os Caminhos de Dona Neusa mantém no texto características do falar da protagonista como um dos componentes da humanização, já que a oralidade é um dos traços da identidade da personagem, o que a torna essencial para inserir o leitor no universo retratado e aproximá-lo da narrativa, e a tranposição da oralidade ao texto só foi possível por meio das entrevistas abertas e de profundidade. Já as entrevistas semiabertas ou por pautas, realizadas durante a pesquisa, apresentam maior grau de estruturação, mas o entrevistado ainda responde às perguntas diretas que lhe forem colocadas  estas, porém, não ficam restritas a um questionário pré-estabelecido (MARTINO, 2010, p.22 e GIL, 2014, p.112). Para a confecção do presente artigo, a principal fonte de informações foi a pesquisa bibliográfica, a qual forneceu os conceitos e discussões essenciais para formular os argumentos aqui apresentados. A consulta de teses e análises das épocas estudadas também contribuiu para a obtenção dos resultados planejados. Na composição de cenários sociais mais complexos no livro-reportagem foi utilizada a pesquisa documental, ou seja, com base em materiais "que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa" (Gil, 2014, p.51). Este método levou a dados e informações históricas que compõem e aprofundam os momentos apresentados na narrativa. Ainda para a elaboração do livro-reportagem foram realizadas, no mês de junho de 2015, as primeiras entrevistas com a protagonista, Dona Neusa, por meio da observação participante e da pesquisa de campo. A observação participante consiste em o observador assumir, ao menos em partes, o papel de um membro do grupo, visando obter o conhecimento da vida deste grupo a partir de seu interior (GIL, 2014, p.103). Para isso, a autora conviveu com a personagem em sua casa durante 10 dias. Entre as vantagens mencionadas por Kluckon (apud GIL, 2014, p.103) da utilização da observação participante estão o fácil acesso a dados e situações consideradas de domínio privado e a possibilidade de "captar palavras de esclarecimento que acompanham o comportamento dos observados". A pesquisa de campo, que durou 10 dias, foi considerada essencial para que fossem captadas não apenas as palavras proferidas pelos entrevistados, mas também elementos visuais, climáticos, sociais e pessoais. Conforme aponta Gil, busca-se, por meio da pesquisa ou estudo de campo, aprofundar as questões propostas sobre um único grupo (2014, p.57). Logo, este método propiciou uma imersão na narrativa da protagonista, já que os lugares de seu cotidiano e de suas memórias foram revisitados.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr> <td colspan="2"><span class="quatro"><b>DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Os Caminhos de Dona Neusa narra a trajetória de uma mulher baiana, filha de mãe solteira, que enfrentou discriminações, preconceitos e estigmas por conta de suas origens, a começar pela rejeição paternal. Neusa migrou para São Paulo não por vontade, mas por falta de opção. Chegada à capital paulista, trabalhou por toda a vida como empregada doméstica em bairros nobres da cidade. Após ter reencontrado os filhos, outro grande sonho norteia as vontades de Neusa: ter sua história contada em um livro, mesmo que não possa lê-la. Neusa faz parte de grupos sociais que não costumam ter suas identidades representadas pela mídia tradicional: mulher, nordestina migrante, semialfabetizada e empregada doméstica. Sua trajetória, portanto, sintetiza os enredos desses grupos, que representam um percentual considerável da sociedade. Para dar conta de toda sua narrativa, foi organizado um livro-reportagem-perfil. Contudo, para compreender o formato escolhido, é necessário analisar os conceitos que o sustentam. A reportagem, como afirma José Marques de Melo (1994, p. 65), "é o relato ampliado de um acontecimento que já repercutiu no organismo social e produziu alterações que são percebidas pela instituição jornalística". Ao se propor a expandir a análise e os pontos de vista sobre um assunto, a reportagem complementa a função da notícia. Por isso, se mostra um território amigável para o desenvolvimento de textos que demandam uma imersão mais profunda no assunto, sendo considerada por Sodré e Ferrari como "o lugar por excelência da narração jornalística". (1986, p.9) Aprofundando essa concepção, Lima explica que a reportagem pode ser classificada como grande-reportagem quando permite um aprofundamento extensivo e intensivo, ou seja, que contemple tanto o contexto quanto aprofunde o tema abordado (2009, p.24). Por exigir essa profundidade, a grande-reportagem encontraria no formato livro "o máximo de seu potencial enquanto produto de comunicação pública quando é trabalhado em estilo de jornalismo literário" (LIMA, 2009, p. XIV). Dessa forma, o livro reportagem seria hoje o suporte ideal para a publicação de grandes-reportagens baseadas em histórias de vida e que se propõem a explorar temas ou abordagens que escapam da cobertura dos veículos periódicos. Quanto à linguagem adotada (a do jornalismo literário), Felipe Pena explica que ela vai além da fusão entre jornalismo e literatura: "Não se trata da dicotomia ficção ou verdade, [...] da oposição entre informar ou entreter, mas sim de uma atitude narrativa em que ambos estão misturados". (2006, p.21). Por focar na narrativa de vida de uma personagem que relata por meio dela também o seu tempo histórico, Os Caminhos de Dona Neusa se enquadra em duas das classificações propostas por Edvaldo Pereira Lima dos tipos de livro-reportagem: depoimento e perfil. O primeiro baseia-se no depoimento de uma testemunha para recontar um acontecimento relevante. Já o segundo evidencia o lado humano de uma personagem. O perfil jornalístico, concordam Sodré e Ferrari, é o gênero em que o autor abre espaço no texto para descrever, interna ou externamente, a personagem (1986, p.125). Conforme a definição de Lima, este também é o gênero que melhor comporta o teor humano e simbólico da história (2009, p.51-52). Assim, o perfil foi selecionado como modelo para este produto por ser considerado como o gênero textual que melhor abarca o universo da personagem, propiciando a humanização, já que a narrativa deve ser estruturada sobre uma entrevista "que mergulha no outro para compreender seus conceitos, valores, comportamentos, histórico de vida" (MEDINA, 2001, p.18). O livro-reportagem Os Caminhos de Dona Neusa é dividido em oito partes, estabelecidas de acordo com os conflitos da vida da personagem, como propõe a estrutura da Jornada do Herói na versão elaborada pela pesquisadora Mônica Martinez (2008). O projeto gráfico apoia-se em dois elementos primordiais da narrativa de Neusa: sua relação com a Bahia, a terra onde nasceu, e os caminhos que percorreu em sua trajetória. Portanto, foram escolhidas cores terrosas e mapas para compor o tema. Também foram utilizadas fotografias autorais ou do acervo da protagonista para ilustrar os momentos de sua vida. Informações técnicas: &#9679; Título: Os Caminhos de Dona Neusa &#9679; Número de páginas: 150 &#9679; Formato: A5 (14,8 x 21 cm) &#9679; Tipo de impressão: Monocromática &#9679; Papel do miolo: Pólen soft 80g &#9679; Papel da capa: Couchê 250g com laminação fosca &#9679; Tiragem inicial: 10 exemplares. A ideia de desenvolver um livro-reportagem como trabalho de conclusão de curso nasceu ainda em 2014, durante o segundo ano do curso de Comunicação Social  Jornalismo das Faculdades Integradas Rio Branco, a partir do convite para conhecer a história de uma senhora analfabeta cujo sonho era transformar a própria narrativa em livro. Com o teor da narrativa em mãos, a proposta de elaborar um perfil desta personagem  a própria Dona Neusa  foi debatida com a professora doutora Patrícia Ceolin do Nascimento e com professora mestra Renata Carraro, então encarregadas das aulas de reportagem. A partir da orientação inicial das docentes, foi decidido que o livro-reportagem seria o formato que melhor abarcaria esta história e o trabalho de pesquisa começou a ser elaborado. Em 2015, foi desenvolvida pela autora uma pesquisa de iniciação científica sobre narrativas de perfil e identidade, cujo teor contribuiu significativamente para o livro-reportagem. No primeiro semestre do ano seguinte (2016), teve início de fato a elaboração do projeto de pesquis para o trabalho de conclusão de curso, sob orientação do professor doutor André Rosa de Oliveira. Neste período foram realizadas as primeiras entrevistas com fontes para a fundamentação teórica, que forneceram subsídios para que, no mês de junho, fossem realizadas a pesquisa de campo, as entrevistas com a protagonista e outros personagens e a observação participante. Neste momento, foram visitados não só a cidade em que a protagonista vive atualmente (Itabuna-BA), mas também outras regiões que fzem parte de sua trajetória. O encontro com Neusa, seus parentes e pessoas de seu convívio permitiu uma imersão na história, estabelecendo, por exemplo, alguns pontos a serem destacados na narrativa. Já em São Paulo, foram realizadas entrevistas com as primas e parentes de Neusa que a receberam quando ela chegou à cidade, na década de 1970. Hoje, ambas vivem na cidade de Guarulhos, na região metropolitana. Por motivos religiosos, porém, ambas optaram por não fornecer novas informações e apenas confirmaram os eventos mencionados anteriormente pela própria protagonista. Entre a viagem à Bahia e o final do primeiro semestre letivo, foi realizada ainda uma entrevista com o professor doutor Alex Criado, cuja pesquisa sobre oralidade no jornalismo é um dos pilares desta pesquisa. Realizado no mês de maio, o encontro elucidou dúvidas, sanou pontos de insegurança, agregou sugestões e forneceu novas referências para a produção de Os Caminhos de Dona Neusa. Com base nas fotografias captadas durante a pesquisa na Bahia, o projeto gráfico foi criado por uma profissional da área. Durante o segundo semestre letivo, então sob orientação da professora mestra Patrícia Sheila Monteiro Paixão Marcos, foram realizadas as demais entrevistas para a composição do livro, além da estruturação deste em partes baseadas nos conflitos da vida da personagem. Foi também neste período que teve início a redação dos capítulos, bem como a diagramação (feita por uma profissional da área) e revisão. O livro-reportagem Os Caminhos de Dona Neusa foi impresso em novembro de 2016 e aprovado em banca de conclusão de curso no mês seguinte.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>CONSIDERAÇÕES</b></span></td></tr><tr width="90%"> <td colspan="2" align="justify">Há pelo menos um século, a presença de narrativas focadas em pessoas comuns ou personagens anônimas pode ser constatada nos produtos jornalísticos. Na atualidade, a ausência de espaço para essas narrativas nos veículos jornalísticos tradicionais converge com as crescentes demandas de grupos socialmente minoritários por representatividade midiática. O caso de Neusa Rosa de Jesus, usado como mote para esta pesquisa, evidencia que até mesmo entre um grupo que tem pouco ou nenhum acesso aos produtos jornalísticos escritos  o dos analfabetos e semialfabetizados  , o reconhecimento de sua narrativa pelos veículos midiáticos é relevante. Além disso, ao trabalhar seu perfil, foi possível sintetizar, esmiuçar e denunciar as mazelas da realidade encarada pelos milhões de brasileiros que diariamente enfrentam situações semelhantes. Por outro lado, trabalhar com uma protagonista cujo falar foge às regras padrão da língua e que, por suas características regionalizadas, é carregado de estigmas sociais abriu portas para a experimentação não só da linguagem literária aplicada ao jornalismo, mas permitiu explorar a humanização do relato por meio da incorporação da identidade oral da personagem ao texto. Com isso, considera-se que foi possível inserir o leitor com mais profundidade e verossimilhança no universo apresentado. Portanto, entende-se que este trabalho pôde contribuir para a construção de um fazer jornalístico mais humanizado, que resgate as determinações previstas em seu regimento. Além disso, foi possível demonstrar que há espaço para um jornalismo que se reinvente para além dos textos curtos e de outros modelos frequentemente adotados tanto por veículos tradicionais, quanto por outros que se pretendem alternativos. O modelo aqui proposto, ao contrário de se pretender absoluto, visa servir como um exemplo de que ainda há fronteiras a serem exploradas dentro dos territórios do jornalismo.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁICAS</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2">BELO, E. Livro-Reportagem. 2ª edição. São Paulo: Editora Contexto, 2013.<br><br>BONI, V.; QUARESMA, S.J. Aprendendo a entrevistar: como fazer entrevistas em Ciências Sociais. Florianópolis: 2005. 13p. Disponível em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/emtese/article/view/18027/16976>. Acesso em 29 set 2016.<br><br>CRIADO, A. Falares: a oralidade como elemento construtor da grande-reportagem. 2006. 144 p. Tese (doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo: 2006.<br><br>CRIADO, A. Discussões sobre a oralidade no jornalismo [maio 2016]. Entrevistadores: G. Meneguim e N. Rodrigues. São Paulo.<br><br>DANTAS, A. Tempo de reportagem. São Paulo: Leya, 2012.<br><br>GENRO FILHO, A. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Tchê, 1987.<br><br>GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.<br><br>HERSEY, J. Hiroshima. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. <br><br>JESUS, M.C. de. Quarto de despejo  diário de uma favelada. São Paulo: Edibolso, 1960.<br><br>KOTSCHO, R. A prática da reportagem. São Paulo: Ática, 1995.<br><br>LIMA, E.P. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 4ª edição. Barueri: Manole, 2009<br><br>MARTINEZ, M. Jornada do Herói: a estrutura e narrativa mítica na construção de histórias de vida em jornalismo. São Paulo: Annablume, 2008.<br><br>MARTINO, L.M.S. 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