ÿþ<html><head><meta http-equiv="Content-Type" content="text/html; charset=iso-8859-1"><title>XXII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste</title><link rel="STYLESHEET" type="text/css" href="css.css"></head><body leftMargin="0" topMargin="0" marginheight="0" marginwidth="0"><table width="90%" border="0" align="center" cellPadding="1" cellSpacing="1"><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td width="20%"><span class="quatro"><b>INSCRIÇÃO:</b></span></td><td width="80%">&nbsp;00706</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>CATEGORIA:</b></span></td><td>&nbsp;CA</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>MODALIDADE:</b></span></td><td>&nbsp;CA06</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>TÍTULO:</b></span></td><td>&nbsp;O roteiro de Trincado</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>AUTORES:</b></span></td><td>&nbsp;Rodrigo Lara Porto Biancalana (Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio)</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>PALAVRAS-CHAVE:</b></span></td><td>&nbsp;roteiro, curta-metragem, documentário, LGBT, transexual</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>RESUMO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Esse trabalho apresenta as motivações e inspirações, bem como referências técnicas e narrativas para a elaboração do roteiro de curta-metragem documental  Trincado . Este aborda o cotidiano de Cláudia Bregantim, transexual de 38 anos, que há 11 anos é casada com Carla Gasques. A ideia central do projeto é o retrato das dificuldades enfrentadas por Cláudia, que nasceu presa a um corpo feminino com o qual nunca se identificou, que precisa enfrentar diversas questões emocionais e materiais, conflitos internos, relacionamento familiar e outras relacionadas à construção de sua identidade de gênero. </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>INTRODUÇÃO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify"> Trincado é o roteiro para um curta-metragem documental participativo, de 16 minutos, de mesmo nome, produzido pela produtora experimental Kimera Filmes da AECA - Agência Experimental de Comunicação e Artes - do curso de Cinema e Audiovisual do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio como trabalho de conclusão da disciplina de Documentário, realizado em 2016. O roteiro de pré-produção foi desenvolvido em conjunto pelos estudantes Rodrigo Lara Porto Biancalana, então no 6º semestre do curso, e por Gustavo Pacheco Chu, recém graduado no mesmo curso e instituição. A ideia central do projeto é o retrato do difícil e diferente cotidiano de Cláudia.  Ele nasceu preso a um corpo feminino com o qual jamais se identificou. Desde a infância sabia que era diferente e rejeitava as tradicionais bonecas, vestidos e o balé. A família não entendia a situação e impunha o padrão binário. Durante a infância e adolescência Cláudia sofreu calada e sem amigos. Conseguia rejeitar os vestidos, destruir o cabelo das bonecas, mas era só. A pressão familiar e a dificuldade para encontrar ajuda sozinha para discutir seus conflitos internos moldaram um ser humano incompleto e  trincado com a própria imagem. Cláudia e Carla enfrentaram tudo. Família, sociedade, ambiente de trabalho, ex-maridos e venceram. Construíram uma família harmoniosa. Se a história terminasse aqui faltaria o conflito  tão importante a uma dramaturgia! E nosso título também não faria muito sentido.  Trincado começa depois deste aparente final feliz. Cláudia é um homem transexual que ainda não conseguiu completar os procedimentos médicos-psicológicos necessários para o procedimento cirúrgico. Seu desejo é ser  Otávio e poder encarar o espelho  identificando com sua imagem. Cláudia deseja profundamente a mamoplastia masculinizadora. Só depois do procedimento ele acredita ter condições psicológicas para alterar o nome para Otávio. </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>OBJETIVO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">O primeiro objetivo do roteiro foi propiciar ao espectador experimentar e vivenciar o cotidiano de uma família diferente dos moldes tradicionais: Cláudia e Carla formam um casal heterossexual. O roteiro procura deslocar o espectador inserindo-o dentro deste ambiente familiar de forma a ocupar a posição social subjetiva de um dos cônjuges. A meta foi a sensibilização como forma de interiorizar o debate em torno da necessidade do respeito às diferenças e a aceitação da condição transexual, trazendo a discussão sobre diferentes identidades de gênero, a formação da identidade  trans , orientação sexual e o entendimento do papel da família no processo de auto aceitação do indivíduo com disforia sexual. O segundo objetivo do roteiro foi permitir uma experimentação e uma vivência dos impactos decorrente do processo de troca entre diretor e personagens, tão importante para a estrutura dos documentários da tradição  vérité . Como bem aponta Silvio Da-Rin:  ...as pessoas, talvez porque haja uma câmera ali, criam algo diferente; e o fazem espontaneamente. Ao cria-lo, não só criam o filme como criam uma dimensão de si mesmos que não poderia existir sem o filme, dimensão a um só tempo real e imaginária.  (Da-Rin, 2006, pág.157) O roteiro inicial de filmagem foi transformado pela dinâmica da realidade em um processo de maturação que perpassou por todas as etapas de realização do filme. Na lição de Sergio Puccini,  essa peculiaridade é consequência da maior dificuldade de apreensão e controle do universo de representação do documentário (PUCCINI, 2012). Entender essas transformações do projeto e permanecer aberto às necessárias mudanças no roteiro enquanto se realiza a obra é aceitar  que o imprevisto pode desempenhar papel tão importante quanto aquilo que é cuidadosamente planejado (PUCCINI,2012). É da essência do fazer documental. </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>JUSTIFICATIVA</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">O roteiro de  Trincado expõe as dificuldades que um indivíduo transexual precisa enfrentar em seu processo de redesignação sexual. A burocracia para o tratamento, o preconceito, as barreiras sócios culturais e a própria auto aceitação são enormes obstáculos nessa luta. Se não bastasse, transexuais são extremamente vulneráveis socialmente. Um dado alarmante aponta que o Brasil é líder mundial em casos de assassinato de travestis, transexuais e transgêneros. Segundo relatório da ONG internacional Transgender Europe , o Brasil registrou entre janeiro de 2008 e abril de 2013, 486 mortes de cidadãos dessa comunidade. O princípio da igualdade entre homens e mulheres, embora positivado na Constituição da República, longe está de ser uma realidade no cotidiano da comunidade LGBT e, mais especificamente, entre as camadas de menor renda e, ainda, entre os transexuais. Prevalece, até hoje, a discriminação e o preconceito; a falta de políticas públicas suficientes e adequadas; a ausência de discussão na sociedade sobre os novos papéis sociais, com base na igualdade e no respeito à diversidade. Apesar da melhora das condições de visibilidade da causa gay, a situação dos transexuais ainda é de alta hipossuficiência. Em uma sociedade cultural e religiosamente centrada na heteronormatividade, machista, binária e de ranço patriarcal, os transexuais enfrentam enorme dificuldade para serem aceitos e ter acesso às políticas públicas específicas que preservem seu bem-estar e que promovam sua dignidade. Quando o transexual tem plano de saúde, é comum a cirurgia ser negada por ser de caráter "estético". Os planos de saúde alegam que esses procedimentos acabam não sendo autorizados pois não integram as coberturas médicas do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão que regula e fiscaliza o setor. A primeira etapa na luta para a redesignação sexual é conseguir um laudo psiquiátrico específico chamado CID-10 F-64. Infelizmente, Cláudia não consegue esse atendimento no Município de Salto e o necessário deslocamento à Sorocaba tem impossibilitado suas tentativas  uma vez que os atestados referentes a essas consultas não são considerados para abonar ausência no trabalho. A advogada Chyntia Barcellos, vice-presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual da OAB e presidente da Comissão de Direito Homoafetivo da OAB-GO, explica melhor: "A transexualidade é classificada pelo Código Internacional de Doenças (CID 10 F-64) como disforia de gênero ou transtorno de identidade de gênero". Essa classificação justifica e legitima o atendimento que hoje é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ou seja, é preciso ser diagnosticado com um tipo de "transtorno" para conseguir obter a operação sem que ela seja considerada "estética". O mesmo diagnóstico serve para Cirurgias de Redesignação Sexual (CRS). Porém não existe nenhuma lei que obrigue os planos a fazerem essas cirurgias", afirma a advogada. Expor o cotidiano de  Cláudia-Otávio , o impacto que a autodesignação entre masculino e feminino traz para esse indivíduo e as consequências para sua família, bem como sua luta para garantir o acesso adequando às políticas públicas de saúde são fundantes para promover o debate em torno da visibilidade transexual. Debate necessário dentro da cultura LGBT e urgente para toda a sociedade brasileira como forma de educação que se impõem como medida necessária para reverter a hipossuficiência desses cidadãos.  Trincado pretende ir além da produção audiovisual. Nosso desejo é de mobilização da comunidade LGBT para o fomento de parcerias com ONGS que possam prestar auxílio, esclarecimento, apoio profissional e aconselhamento  como exemplo a articulação com GPH  Grupo de Pais de LGBTs, coordenado pela Dra. Edith Modesto em São Paulo, que conta com a participação da saltense Mércia Falcini (nossa consultora de pesquisa para esse projeto). </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">O trabalho desenvolvido na conclusão da disciplina de Documentário, foi inscrito e acabou contemplado pelo Edital de Cultura, da Secretaria de Cultura da Prefeitura da Estância Turística de Salto, cujo objeto é estimular a criação, o acesso, a formação e a participação do pequeno produtor e criador no desenvolvimento cultural da cidade, promover a inclusão cultural e estimular dinâmicas culturais locais e a criação artística em geral da Cultura Saltense, observadas as disposições da Lei Federal nº 8.666/1993 e Lei Municipal nº 3229/2013, a cargo da Secretaria de Cultura. Esse importante mecanismo foi essencial para materializar a pesquisa e o roteiro em um produto audiovisual.  Trincado foi estruturado a partir da metodologia do Manual didático DOCTV do Programa de Fomento à Produção e Teledifusão do Documentário Brasileiro. O DOCTV, é hoje o maior programa de produção de documentários através do apoio estatal no Brasil. Verena Carla Pereira no artigo  A Produção de documentários através do DOCTV , publicado na  Rumores  revista online de comunicação, linguagem e mídias do Grupo de Estudos de Linguagem e Práticas Midiáticas (ECA-USP), traz a seguinte reflexão sobre a importância e alcance deste instrumento: O DOCTV teve sua primeira edição em 2003, quando foi firmado o convênio entre o Ministério da Cultura (Minc), a Fundação Padre Anchieta (FPA) / TV Cultura e a Associação Brasileira de Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (ABEPEC). Esse convênio foi mantido durante as três primeiras edições do DOCTV. Até 2006, foram produzidas três edições do DOCTV no Brasil (foi fomentada também a edição Ibero Americana do Programa, da qual iremos tratar mais abaixo), gerando 115 documentários, 3.080 horas de programação e 2.310 inscrições. Esse último número é altamente significativo se comparado as 210 inscrições que o Minc recebeu em 2001 antes da criação do DOCTV (PEREIRA, 2009) O rigor do formato DOCTV propicia enorme qualidade na transposição de uma visão original documental para o seu produto final imagético. A metodologia, além de enriquecer o pacote criativo com exigência de base de sustentação sociológica, permite o desenvolvimento da proposta a partir de eleição de objetos de estudos e suas simulações de abordagem. Ao iniciar as pesquisas estávamos conscientes de que o melhor modelo de abordagem a adotar seria a concepção estética pautada pelo modo participativo, seguindo a tradição do cinema  vérité de Jean Rouch, modalidade de linguagem que já havia pautado trabalhos iniciais nossos no gênero e, que agora, poderia ser explorada em outro nível de experiência. Bill Nichols, ao expor o conceito do modelo participativo em sua teoria sobre o documentário, orienta que a intenção primária desta técnica fundou-se na tentativa de levar o espectador a testemunhar um determinado mundo histórico da maneira pela qual ele é representado por alguém que nele se engaja profundamente e não por um observador discreto que apenas trabalha com a montagem e insere seu comentário em voz-over. (NICHOLS, 2012, p. 154) A motivação da adoção deste modelo está vinculada ao desejo de expor o subconsciente desse  ator-social , despindo suas memórias, anseios, medos, desejos e carga emocional. Silvio Da-Rin, expressa que esse tipo de produção implica um processo de metamorfose a que todos os participantes são chamados a se submeter  aí incluídos seus autores (direção e equipe) e, potencialmente, os espectadores. (Da-Rin, 2006) Iniciamos situando espectador no ambiente (cidade de Salto, interior de São Paulo) e apresentando desde logo a profissão do nosso protagonista  motorista de caminhão. Entretanto, escodemos seu rosto, preferindo planos fechados de braços, mãos e câmera subjetiva do motorista, criando uma neutralidade de identificação para não afastar parte do público que pudesse ter rejeição às minorias. Antes de revelar o rosto do nosso protagonista aproveitamos elementos da ficção, encenando a chegada em casa desse pai de família que ganha a vida no caminhão. Enquanto o personagem toma banho para a janta, sua família, à mesa, assiste na televisão uma reportagem de arquivo sobre o assassinato de uma transexual ocorrido em cidade vizinha anos antes. É um hibridismo de ficção e realidade, concebido para experimentação de linguagem a partir de material de arquivo. Visou-se, inicialmente, provocar na família o debate em torno da violência de gênero, de forma a captar sentimentos e sensações verdadeiras dos membros deste núcleo familiar. A proposta foi criar um debate em que a família enxergasse no  pai caminhoneiro a mesma ameaça enfrentada pelas minorias. O espectador ainda não tinha elementos para saber que nosso protafgonista é um homem-trans. Na sequencia segue-se a cena reveladora do conflito da personagem. Através de depoimento em voice-over, Cláudia revela seu pesadelo: a questão dos seios  como elemento estranho à sua imagem psicológica. Essa revelação forte e sincera além de servir para expor seu drama, conduz o projeto a uma guinada: a necessidade de levar Cláudia até consolidar seu objetivo de transformação. É aqui que se deu a tão importante troca que um verdadeiro encontro  cineasta x retratado permite. O projeto apontando um novo caminho, não só para o roteiro mas, principalmente, para Cláudia. Sentimos a importância de encontrar um especialista que a recebesse e informasse uma nova forma de tratamento, recuperando a esperança da transformação, há muito perdida em meio a burocracia. Essa guinada mudou significativamente a  atuação e o comportamento de Cláudia. Sua entrega deixou de ser meramente física e presencial e passou a ser bastante emocional. Entendendo a ferida de Cláudia e propondo uma forma de chegar até um tratamento, ficou mais  expostas e até chegou às lágrimas, comovendo a todos em um depoimento. O rompimento de barreiras emocionais aproximou o projeto à realidade da família. Em toda a fase de desenvolvimento e pesquisa do roteiro, Cláudia apresentava-se bastante rígida e sua esposa e os meninos procuravam tratá-la com pronomes e adjetivos masculinos. Estava perceptível que não era essa a realidade. Para quebrar essa sensação de  encenação , procuramos na memória dos envolvidos os momentos mais significativos e estruturamos esse eventos como pontos de virada ou obstáculos, para as discussões que posteriormente seriam aproveitadas como depoimentos e testemunhos. Novamente partimos para um hibridismo com a ficção através de conceitos presentes na trajetória do herói proposta por Joseph Campbell: trazer à tona as vozes duvidadoras e buscar um  mentor para armá-la para a transformação. Nas primeiras entrevistas com Cláudia e Carla sentimos que seria preciso cautela e delicadeza para capturar fragmentos de sua realidade social e para expor a relação dos filhos, que demonstravam uma naturalização bastante forte, mas que se impactavam, com a presença da câmera, em detrimento dessa naturalidade. Na lição de Silvio Da-Rin (2006)  sempre que uma câmera é ligada, uma privacidade é violada . Assim como alguns dos personagens de  Edifício Master , Cláudia e Carla muitas vezes resgatavam momentos que traziam as situações mais tristes e que poderiam constranger familiares. Nesse ponto nos apropriamos da lição-síntese apresentada pelas autoras em uma tentativa de defender as personagens de si mesmas. O método de abordagem que aplicamos na construção narrativa partiu da particularização do enfoque. Conforme Consuelo Lins e Cláudia Mesquita (2011, p. 49) ao invés de visar grandes sínteses, análises ou interpretações de situações sociais mais generalizantes, buscamos um recorte mínimo, particular destes personagens. Cláudia não representa mais do que a si mesma; assim como Cláudia-Otávio também não é uma síntese do gênero transexual. Nosso enfoque foi pela valorização da subjetividade particular deste homem-trans. </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr> <td colspan="2"><span class="quatro"><b>DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">O roteiro foi elaborado a quatro mãos na fase inicial do projeto. Na primeira etapa o desafio foi localizar um transexual que aceitasse compartilhar sua intimidade e subjetividade em um projeto universitário audiovisual. Através de Conselho Tutelar de Salto, localizamos Mércia Falcini, consultora de educação e que atua como conselheira na ONG GPH  Grupo de Pais de LGBTs. Mércia conhecia a história do casal, pois elas lecionavam em creches da prefeitura de Salto. O primeiro contato com Cláudia e Carla ocorreu em uma cafeteria e foi suficiente para confirmar que havia uma grande e importante história a ser contada: um casal de professoras com filhos e a percepção de que era um casal heterossexual. O passo seguinte foi marcar uma reunião na casa delas para aprofundar em suas histórias em busca de um recorte mínimo e original que sustentasse uma produção audiovisual de 15 minutos. Ficou evidente que haviam muitas possibilidades conflitos e uma alta carga de drama em jogo. Quando a história ficou clara e suficiente para sustentar um argumento inicial, convidei o estudante Gustavo Chu, para conhecer o casal e ouvir a sua história, de forma a construir em conjunto um primeiro roteiro que fosse formatado como em uma ficção, com os estratagemas clássicos de Syd Field em sua divisão em três atos. A ideia era testar a consistência dramática do recorte documental que seria proposto. Com o roteiro ficcional em mãos, apresentei a narrativa e o projeto ao futuro Diretor de Fotografia, o aluno Vitor Cecchino. Como somos parceiros de trabalho habituais, precisava sentir o olhar cinematográfico dele e ter certeza de que poderíamos contar juntos essa história com delicadeza e ousadia no sentido de propor uma aventura: conduzir Cláudia a se tornar o homem que havia dentro dela. O roteiro ficcional deu lugar ao projeto  Trincado nos moldes do manual DocTV, com a delimitação e descrição dos objetos (pessoas e objetos essenciais no relacionamento com o documentarista), a eleição e justificativa de estratégias de abordagens (a descrição de como seria a relação entre documentaristas e pessoas / objetos), simulação das estratégias (considerando como iríamos transpor determinada relação para gerar imagem e som), sugestão para uma estrutura narrativa, plano de produção e orçamento. Na etapa de preparação tivemos o projeto  Trincado , conforme formato do manual DocTV, como roteiro-guia para definir objetivos, prazos e orçamento. Entretanto, diferentemente de um filme ficcional em que o roteiro consegue prever todos os caminhos de forma fiel e até precisa, com projetos documentais  principalmente os mais próximos da tradição participativa  faz-se necessário estar aberto a situações reais, ditadas pelo acaso, que irão exigir sensibilidade e destreza dos roteiristas e realizadores para recriar a concepção e refazer a própria trajetória do documentário ainda em curso. Após cada gravação o material fílmico foi sendo analisado exigindo um constante trabalho de aperfeiçoamento do roteiro ao longo de cada sequência finalizada. Isso ocorre para dar coesão e continuidade à estrutura narrativa que se  criava em cada novo depoimento. Essas mudanças foram sendo dimensionadas através de um roteiro do tipo duas colunas  o que se vê e o que se ouve em tela. Esse roteiro final serve principalmente para dar coesão à montagem, criando uma obra enxuta, mas potencialmente estimulante e sensível. Essa liberdade em relação à rigidez do roteiro ficcional foi decisiva no processo final durante a pós-produção. </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>CONSIDERAÇÕES</b></span></td></tr><tr width="90%"> <td colspan="2" align="justify"> Trincado buscou retratar as dificuldades que um indivíduo transexual masculino enfrenta para descobrir o caminho e meios de lutar pelo seu direito de acesso ao processo de redesignação sexual. O resgate das memórias de Cláudia sobre suas dificuldades e dores em várias passagens de sua vida, da infância até a vida adulta, são situações comuns enfrentadas por indivíduos transexuais. A não identificação com o gênero biológico, principalmente no que se refere a aceitação de sua imagem refletiva no espelho, deixam sequelas emocionais, criam barreiras profissionais e dificultam relacionamentos familiares. Essas dores e amarguras fazem parte da trajetória da construção de Otávio, o homem transexual que está em processo de nascimento emocional e corpóreo. O roteiro navega por essas águas turbulentas, para, por fim, deixar Otávio em águas mais calmas, embora não longe de turbulências. Acreditamos que o resultado final atingiu os objetivos propostos, trazendo reflexão, e fomentando o debate sobre identidade de gênero. Ao mesmo tempo, a propositura e realização de  Trincado foram ações transformadoras para os envolvidos, permitindo um novo engajamento da equipe de realização e, principalmente, para a família que se entregou ao projeto e saiu ainda mais unida. </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁICAS</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2">BERNARD, Sheila Curram. Documentário: técnicas para uma produção de alto impacto. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.<br><br>BUTTERMAN, Steven. Invisibilidade vigilante: representações midiáticas da maior parada gay do planeta. São Paulo: nVersos, 2012.<br><br>DA-RIN, Silvio. Espelho Partido: tradição e transformação do documentário. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006.<br><br>DOCTV Brasil. Roteiro da Oficina para Formatação de Projetos - Manual Didático, 2012.<br><br>LINS, Consuelo; MESQUITA, Cláudia. Filmar o real: sobre o documentário brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Zahar. 2011.<br><br>MODESTO, Edith. Homossexualidade: Preconceito e Intolerância Familiar. São Paulo: EDUSP,2010.<br><br>MODESTO, Edith. Mãe sempre sabe? Mitos e verdades sobre pais e seus filhos LGBTs. Campinas: Papel Social, 2015.<br><br>NICHOLS, B. Introdução ao Documentário. Campinas: Papirus, 2012.<br><br>PUCCINI, Sérgio. Roteiro de documentário. Da pré-produção à pós-produção. Campinas: Papirus, 2012.<br><br> Transgender Europe (TGEU) é uma rede formada por diferentes organizações europeias de apoio a comunidade transexual que visa combater a discriminação e apoiar os direitos de pessoas trans. Foi fundada em 2005 em Viena durante o primeiro Conselho Europeu Transgender como "Rede Europeia Transgender" e é atualmente uma ONG registrada como "Transgender Europe" Site: http://tgeu.org/<br><br>Disponível em: http://www.revistas.usp.br/Rumores/article/view/51143<br><br> </td></tr></table></body></html>