ÿþ<html><head><meta http-equiv="Content-Type" content="text/html; charset=iso-8859-1"><title>XXII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste</title><link rel="STYLESHEET" type="text/css" href="css.css"></head><body leftMargin="0" topMargin="0" marginheight="0" marginwidth="0"><table width="90%" border="0" align="center" cellPadding="1" cellSpacing="1"><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td width="20%"><span class="quatro"><b>INSCRIÇÃO:</b></span></td><td width="80%">&nbsp;00878</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>CATEGORIA:</b></span></td><td>&nbsp;CA</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>MODALIDADE:</b></span></td><td>&nbsp;CA02</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>TÍTULO:</b></span></td><td>&nbsp;LGBT de periferia.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>AUTORES:</b></span></td><td>&nbsp;ALEONE RODRIGUES HIGIDIO (UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO)</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>PALAVRAS-CHAVE:</b></span></td><td>&nbsp;gênero, LGBT, sexualidade, diversidade, periferia</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>RESUMO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">O trabalho trata-se de um documentário sobre gays e lésbicas que residem em um bairro de periferia social de Mariana-MG. A não-representatividade de LGBTs de periferia no debate político, restrito a acadêmicos e grupos privilegiados, e na cobertura jornalística hegemônica, alimenta o desejo de mostrar quais são as similaridades e diferenças entre as pautas que eles reivindicam com as que são veiculadas na imprensa, discutidas e implementadas pela sociedade e movimentos sociais, em especial, nesse contexto específico de Mariana, que é uma cidade marcada pelo discurso histórico e religioso. Com isso, pretendeu-se empoderar o LGBT de periferia social a partir da problematização de suas pautas numa experimentação audiovisual. </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>INTRODUÇÃO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">O trabalho é um documentário de representação social que busca expressar a compreensão de uma verdade daquela realidade retratada. O mundo abordado e representado é o cotidiano de gays e lésbicas jovens das periferias sociais da cidade de Mariana  Minas Gerais. A cidade configura-se como o primeiro município de Minas, de forte tradição católica. Nesse contexto histórico, pautas voltadas à comunidade LGBT são pouco discutidas pela sociedade e até mesmo pelos próprios movimentos na cidade. Apesar de não existir método ou técnica que possa garantir um acesso privilegiado ao real (DARIN, 2004), o documentário oferece a oportunidade de exibir um retrato, ou algo próximo de uma representação do mundo. No produto, trabalho a ideia de que há uma lacuna nas reivindicações de movimentos LGBTs nas discussões políticas, sociais, jornalísticas e de afirmação da cidadania desse grupo. Trabalhamos com a hipótese de que uma parcela marginalizada dentro dessa comunidade - já estigmatizada - tem suas pautas invisibilizadas por serem sujeitos com pouca representatividade na sociedade em geral: pobres, negros e moradores de regiões menos privilegiadas, como favelas e aglomerados. A estratégia persuasiva do documentário em questão está nos discursos desses sujeitos, a partir da observação do cotidiano no qual estão inseridos, que faz com que, por meio desse tipo de narrativa, tenham espaço e representatividade na mídia. Para isso, busquei identificar quatro atores sociais escolhidos para representar a comunidade LGBT no documentário. A escolha se deu com visitas ao bairro Santo Antônio, também conhecido como  Prainha , onde fui apresentado a moradores dessa localidade, considerada área de periferia social de Mariana. Por fim, suscito discussões que partiram do universo pessoal dos sujeitos a fim de que elas possam reverberar nos diálogos de quem produz as pautas na militância LGBT e, quem sabe, assim, fazer com as vozes dessas pessoas sejam ouvidas num espectro maior. </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>OBJETIVO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Louro (2010) acredita que, na composição das identidades, a sexualidade humana não pode ser entendida como algo dado pela natureza. Ela envolve processos culturais e plurais, tais como: rituais, linguagens, fantasias, representações, convenções, símbolos, dentre outros. As inscrições de gênero - feminino ou masculino - são feitas no contexto de uma determinada cultura, sendo as identidades gênero e sexuais compostas e definidas por relações sociais moldadas por redes de poder de uma sociedade (LOURO, 2010, p.11). No documentário, ao trabalhar com a hipótese de que existe uma parcela marginalizada dentro dessa comunidade LGBT e que suas pautas são invisibilizadas, busco, por meio de seus discursos e do registro do cotidiano, não só afirmar um espaço de representatividade na mídia, mas, também, empoderá-los como sujeitos LGBTs e legitimar suas identidades sexuais e de gênero. Além disso, existe uma discussão sobre o tratamento de situações homofóbicas - e acrescento as transfóbicas, que atingem travestis e transexuais - dado pela  mídia de referência brasileira. A homofobia brasileira traz desafios aos modos de dizer do jornalismo, visto que a grande imprensa ainda passa por tensões que marcam as construções de gênero e sexualidade no país. Essas tensões fazem parte de disputas de sentidos em que diversos atores sociais buscam imprimir às informações jornalísticas referentes às questões que envolvem a sexualidade (LEAL & CARVALHO, 2009). Sendo assim, a mídia tem um papel fundamental na hora de consolidar as identidades LGBTs, quando pode assumir o papel de educadora e transmissora de valores e símbolos de uma comunidade já estigmatizada, vocalizando as formas de visibilidade, de indivíduos e promovendo o respeito às diferenças e agenda de direitos humanos e manifestações culturais LGBTs. É preciso pensar nessas questões numa perspectiva interseccional, que permita ampliar e tornar mais complexo o olhar sobre a produção de desigualdades em contextos específicos. </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>JUSTIFICATIVA</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Segundo o Relatório Sobre Violência Homofóbica no Brasil: ano de 2012, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH), a violência homofóbica tem um caráter multifacetado e abrange mais do que as violências tipificadas pelo Código Penal. O texto diz que esse tipo de violência  não se reduz à rejeição irracional ou ódio em relação aos homossexuais, pois também é uma manifestação arbitrária que qualifica o outro como contrário, inferior ou anormal (DF, 2013, p.10). Consta no documento que o poder público registrou em 2012 3.084 denúncias de 9.982 violações relacionadas à população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos. Em relação a 2011 houve um aumento de 166,09% de denúncias e 46,6% de violações, quando foram notificadas 1.159 denúncias de 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTs. No relatório consta que  muitas vezes, ocorre a naturalização da violência como único tratamento possível, ou a autoculpabilização (DF, 2013, p.18) e que as estatísticas referem-se às violações reportadas, não correspondendo à totalidade das violências ocorridas cotidianamente. O relatório aponta a homofobia institucional, que seriam formas pelas quais instituições discriminam pessoas em função de sua orientação sexual ou identidade de gênero presumida; e os crimes de ódio de caráter homofóbico, ou seja, violências, tipificadas pelo Código Penal, cometidas em função da orientação sexual ou identidade de gênero presumidas da vítima. De acordo com a pesquisa, as travestis foram as mais vitimizadas. Elas representam 51,68% do total, seguidas por gays, 36,79% das vítimas, lésbicas, cerca de 9,78%, heterossexuais e bissexuais com números entre 1,17% e 0,39% respectivamente. Para a secretaria,  a invisibilização e desconhecimento das transsexuais espelha-se também na subnoticiação nos meios midiáticos, onde não se encontraram notícias relacionadas a essa parcela da população (DF, 2013, p.42). No texto, a homofobia foi entendida como preconceito ou discriminação contra pessoas em função de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero presumidas. A lesbofobia, a transfobia e a bifobia foram compreendidos pela palavra homofobia. O Grupo Gay da Bahia apontou no documento Assassinatos de LGBT no Brasil: Relatório 2015, 318 mortes de LGBTs no Brasil. Estatisticamente isso representa cerca de um crime de ódio a cada 27 horas. Dos 318 assassinados, 52% são gays, 37% travestis, 16% lésbicas, 10% bissexuais. De acordo com o relatório, a homofobia matou pessoas não LGBT: 7% de heterossexuais foram confundidos com gays e 1% foram mortos por terem sido confundidos com amantes de travestis. O texto aponta que, proporcionalmente, as travestis e transexuais são as mais vitimizadas.  O risco de uma  trans ser assassinada é 14 vezes maior que um gay. Se compararmos com os Estados Unidos, em que foram assassinadas 21 trans em 2015, e no Brasil 119, as travestis brasileiras têm 9 vezes mais chance de morte violenta do que as trans norte-americanas (GRUPO GAY DA BAHIA, 2016, p.1). Em termos absolutos, São Paulo foi o estado com maior número de vítimas: 55 assassinatos; seguido pela Bahia: 33. Se compararmos os dados com a população total, o estado do Mato Grosso do Sul é o mais LGBTfóbico: 6,49 de homicídios para cada 1 milhão de pessoas. A rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero, a ONG Transgender Europe (TGEU), fez uma pesquisa na qual o Brasil liderou o ranking de país mais transfóbico do mundo. Segundo a Organização, 604 travestis e transexuais foram assassinados no país, entre janeiro de 2008 e março de 2014. Este cenário de violência, homofobia e transfobia demonstra a relevância de visibilizar esses atores, suas pautas e seus cotidianos, tão à margem dos processos políticos, midiáticos e da plena cidadania. Nesse sentido, a comunicação  por meio do audiovisual  cumpre um importante papel de possibilitar as diversas vozes de atores sociais.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">O documentário foi realizado com personagens de zonas de reabilitação urbana e interesse social em Mariana. Trata-se de área territorialmente delimitada que, em virtude da insuficiência, degradação ou obsolescência dos edifícios, das infraestruturas, dos equipamentos de utilização coletiva e dos espaços urbanos e verdes de utilização coletiva, no que se refere às suas condições de uso, solidez, segurança, estética ou salubridade, justifique uma intervenção integrada, através de uma operação de reabilitação urbana. A operação de reabilitação urbana, por sua vez, corresponde ao conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área (Câmara Municipal de Lisboa, 2016). De acordo com o mapa de zoneamento da sede do município de Mariana, os bairros Santo Antônio, Santa Clara e Santa Rita de Cássia ocupam tais áreas. Por se encaixarem na proposta do documentário, realizei visitas de campo às localidades mencionadas para realizar um trabalho de observação do espaço e rotina dos moradores dessas regiões. Por fim, escolhi o bairro Santo Antônio para fazer incursões em busca de sujeitos interessados na proposta. A escolha de quatro adolescentes LGBT s surgiu a partir da observação e contato com a comunidade local, bem como vínculos estabelecidos com essas regiões em trabalhos anteriores ao longo da graduação. A ideia deste produto foi trabalhar numa perspectiva em que o dia a dia dos sujeitos fosse registrado, ainda que através de imagens imperfeitas, e que se valorizasse o cotidiano dessas pessoas, inserindo sequências de entrevistas. Desse modo, consultei as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que reiteram a responsabilidade de todos na preservação da dignidade da criança e do adolescente. Sendo assim, não poderia expor os jovens a nenhum tipo de tratamento vexatório ou desumano. Como diretor, percebo que as escolhas que fiz na montagem final não levam, de modo algum, a interpretações de que os atos mostrados possam constranger os participantes do documentário. Considero pertinente  e legítimo  , para o documentário, inserir a identificação e imagens dos adolescentes em festas onde socializam com seus familiares e amigos, mesmo com a presença de bebidas alcoólicas, uma vez que a discussão central do produto traz os jovens como protagonistas. Dentro dessa perspectiva não-ficcional, trago, ao longo de todo o processo de construção da narrativa, as reflexões teóricas de Comolli (2008), que acredita que cabe ao documentário fazer de nós espectadores de representações mais que imperfeitas e, também, menos que enganadoras, ou seja, de representações que não chegam a domesticar completamente o mundo. Com isso, os fatos, a rotina dos personagens, registrados pelas lentes, além das entrevistas, compuseram a narrativa a fim de emergir pautas que poderiam estar sendo invisibilizadas. De acordo com Comolli (2008), tal é o espaço reservado ao documentário que, quando se combina os elementos tempo, lugar, corpo e máquina, podemos encontrar de forma bem mais evidente nas produções que são exibidas na televisão, onde reconhecemos as impressões da cinematografia, ou seja, a estampilha documentária de origem. Porém, ele acredita que o documentário, ao contrário da televisão,  é premido a se confrontar não tanto com as lógicas estreitas dos responsáveis da televisão quanto com algo muito mais forte do que elas: as realidades que nos determinam, consequentemente, aqui e agora (COMOLLI, 2008, p. 148). Comolli (2008) entende o real como erro, aproximação, tateamento, transição. Para o autor, tudo o que os processos de escritura confessam e fazem, e que os roteiros ou programas, uma vez feitos, negam ou desmentem. Um exemplo usado pelo autor é o da clientela que esperaria de um programa de informática exatamente o contrário do caminho que levou a que ele fosse escrito: versões sucessivas, ensaios e erros, bugs (COMOLLI, 2008, p.150). Stam (2003) avalia que, com base nas conquistas do ativismo gay e lésbico na revolta de Stonewall, em 1968, muitos teóricos desenvolveram uma abordagem lésbica e gay à cultura em geral e, num caso particular, ao cinema. E que, com isso, o conceito de gênero promoveu a substituição da ideia da diferença binária por um mais plural de identidade cultural e socialmente mais construída. O autor também explica que, no final dos anos 70 e princípio dos anos 80, os campos de estudos de gênero - e feministas - abriu caminho para os estudos gays e lésbicos que, posteriormente, foram chamados de estudos queer. De acordo com Stam (2003),  nos estudos de cinema, a pujança da teoria queer atestada pelos numerosos congressos, festivais, edições especiais de periódicos (por exemplo, Jump cut) e a publicação de um número crescente de antologias e monografias dedicadas ao cinema queer (STAM, 2003, 290). Sobre as narrativas cinematográficas, o autor avalia - a partir de reflexões de teóricas, como Teresa de Lauretis e Laura Mulvey - que ela era não apenas sexuada, mas heterossexual. Isso acontecia porque havia geralmente o movimento ativo de um herói masculino através de um espaço feminino que semeia a  terra virgem . Durante todo o processo, fui norteado pelas discussões sobre o cinema queer e suas análises. Uma das reflexões é a que trata dos arquétipos homofóbicos. Segundo Stam (2003), esses arquétipos seriam os personagens típicos que pululam no cinema dominante, como a bicha desmunhecada, o psicopata gay, a vampira lésbica. A teoria queer do cinema interessou-se pelas representações do corpo masculino e pelas representações da masculinidade. E também se interessou pela maneira como os homens, mesmo em filmes com temática heterossexual, podiam ser apresentados como objeto sexual. Por fim, a teoria queer do cinema também revitalizou-se em um constante diálogo com aumento do número de documentários, vídeos-queer e longa-metragens, muitas vezes influenciados pela teoria queer produzida por diretores pioneiros (STAM, 2003). No processo de montagem, fiz uma decupagem de todo material que havia filmado. Após analisar tudo que tinha, tirei uma tarde de domingo para escolher cada cena que iria compor a versão final. Usei algumas folhas de caderno para mapear quais se encaixavam e optei por colocar em sequência as entrevistas que abordavam temas semelhantes: família, se assumir, amores, medos. As entrevistas foram intercaladas por ambientações que diziam sobre aquele lugar periférico do qual os meninos e meninas estavam inseridos. Desde o cachorro no quintal das gêmeas às ruas e calçadas por onde Vanderson e Rafael circulavam. Numa primeira montagem, apenas juntei as cenas. Depois, afinei o áudio, cena a cena, e apurei os pequenos ruídos entre uma e outra. Além disso, escolhi duas canções (abertura e encerramento) que dialogassem com a temática.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr> <td colspan="2"><span class="quatro"><b>DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">No dia 20 de julho de 2016 alguns jovens estiveram presentes a uma palestra sobre feminismo negro na UFOP, em Mariana-MG. Alguns eram moradores do bairro Santo Antônio, também conhecido como  Prainha . Ao notar que um deles era designado como se fosse do gênero masculino, mas tinha uma expressão de gênero feminino, me aproximei. A partir de então, estabeleci um contato direto com todo o grupo, expliquei a proposta do documentário e marquei um encontro com eles no domingo, dia 24 de julho, numa capela no bairro onde moram. Depois disso, encontrei duas moradoras que passavam pela rua principal e perguntei se havia LGBTs no bairro. Resistentes, disseram que  não . Depois de quinze minutos de conversa, uma delas afirmou:  Aqui tem muito viado! . Em seguida, listou uma série de pessoas LGBTs da Prainha. Inclusive, me disse que havia na Prainha um rapaz chamado Vanderson que gostava de ser chamado de Vanessa. Depois disso, me indicou o local onde duas das minhas fontes moravam. Fui em direção à casa das fontes, as gêmeas Rayene e Rayele, já que elas não apareceram no local de encontro marcado. Ambas lésbicas, 16 anos, estavam na palestra sobre o feminismo. Ao chegar, fui convidado a entrar no quintal da casa. O lugar se assemelhava a uma chácara, com cavalos, galinhas, patos e vários animais pelo quintal. Uma delas me disse que a mãe tinha autorizado as imagens e que o pai estava resistente, mas não havia problema. A mãe disse que poderia fazer imagens, desde que ela não fosse filmada. No início da conversa com uma das garotas, liguei a câmera para que ela fosse se acostumando com o equipamento. Conversamos na varanda da casa e, num segundo momento, subi as escadas e fui conversar com a mãe das garotas. Até a hora do almoço conversei em alguns momentos com a câmera ligada e, em outros, desliguei o equipamento para que ficassem mais à vontade. Depois disso, uma delas me passou o contato de Rafael, 16 anos, amigo da família. À tarde, me encontrei com ele em sua casa, onde estava acompanhado de um amigo chamado Vanderson, 16 anos. Neste momento, me lembrei do que as duas transeuntes iniciais haviam comentado. Vanderson era Vanessa. Perguntei se ele preferia ser chamado de Vanderson ou se tinha outro nome ou apelido. Timidamente, o rapaz disse que era Vanderson mesmo. Rafael ligou para o pai, que estava numa festa, para avisar que eu queria falar com ele. Em cinco minutos o pai chega. Me apresento e falo da proposta do documentário. De cara fechada e poucas palavras, ele autoriza e diz que a mãe também deve autorizar. Rafael diz que a mãe estava numa festa de família perto de onde mora. Me convido a ir à festa com Rafael e Vanderson. Antes de partirmos em direção à festa, regada à muita cerveja e churrasco, passo na casa da mãe de Vanderson. Ao conversar com ela e ter autorização para fazer as imagens, diz:  Trabalho todos os dias e só chego em casa depois das quatro. Vanderson fica o dia todo na casa de Rafael e ele fica trancado para a rua. Só venha depois desse horário ou fim de semana para falar comigo . A partir daí, agendei visitas às famílias dos jovens para acompanhar o cotidiano e fazer entrevistas. No meio do processo, as gêmeas Rayene e Rayele desistiram de continuar as filmagens. Elas disseram que não ficavam muito tempo em casa. Na ocasião, disse a elas que poderia acompanhá-las nas rotinas cotidianas fora de casa e que isso não seria problema. Após algumas insistências e depois de mostrar o teaser produzido, elas aceitaram continuar, desde que fosse após as eleições. Descobri através de Patrícia, mãe de Rafael, que o pai das gêmeas havia se candidatado a vereador em Mariana. Sendo assim, decidi fazer as últimas entrevistas com as gêmeas antes que elas desistissem novamente. Ao continuar as filmagens, registrei cenas fundamentais para revelar não só o espaço em que os garotos e garotas estavam inseridos, mas, principalmente, suas personalidades e, também, particularidades. Acompanhei os garotos na festa de aniversário de Patrícia, mãe de Rafael, onde se sentiram menos constrangidos com equipamento. Ao caminharmos pelas ruas no dia da festa, um grupo de homens que estava em frente a uma casa gritou em tom de deboche:  Oi, meninas! . Apenas Vanderson respondeu. Vanderson e Rafael dizem que esse tipo de abordagem é comum no bairro. Durante o processo de construção do documentário havia questionado a mim mesmo se Vanderson se assumiria como Vanessa. Em todas as filmagens possíveis com o jovem, ele se apresentou como gay e sempre se identificava pelo pronome masculino e, em momento algum, em seu círculo familiar ou de amizades, foi chamado de Vanessa. O que muitos definem como feminilidade, sejam trejeitos, modos de vestir e falar, parece não ter o mesmo sentido para Vanderson. Ele se define homem homossexual. Sua identidade de gênero, apesar de ser confundida por muitos, se mantém vinculada à ideia do masculino. Possivelmente, ao enxergar aquilo que muitos entendem como feminino - antes mesmo de ser perguntado sobre isso -, Vanderson se tornou Vanessa. O jovem parece desconhecer a existência dessa figura, que só existe no imaginário de quem vive na Prainha. Trago no documentário algumas problemáticas vivenciadas no convívio familiar sem veicular uma visão romantizada do que é ser cidadão, jovem, LGBT, e de periferia. Faz-se necessário revelar que, para além das questões que envolvem o ato de se assumir num ambiente onde os preconceitos são verbalizados em alto e bom som e, muitas vezes, manifestados com agressões físicas, o sujeito LGBT não está livre do contato com drogas lícitas, como bebidas alcoólicas, e de tão fácil acesso. Ressalto que, durante todas as filmagens, eles estavam sendo acompanhados pelos seus responsáveis legais. É preciso dizer que, para as filmagens, foi preciso contar com a colaboração de amigos que ajudaram a carregar equipamentos ou editar. Por ter usado diferentes tipos de microfones, na montagem, a oscilação de áudio entre uma cena e outra, além das limitações de ajustes possíveis pelo programa de edição, alguns diálogos ficaram comprometidos. Dentro das possibilidades, consegui regular o áudio. Muitas vezes, na hora de captar as imagens, os cabos com mal contato interferiram em diversas entrevistas. </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>CONSIDERAÇÕES</b></span></td></tr><tr width="90%"> <td colspan="2" align="justify">No processo vivenciado, percebi o quanto o cinema documentário nos possibilita construir narrativas próximas do que a sociedade acredita - ou espera - ser o real. Ao narrar o cotidiano de pessoas gays e lésbicas de periferia, não esperava fazer um recorte em que os sujeitos seriam, exclusivamente, adolescentes. Isso ocorreu após imersão no cotidiano da Prainha, onde fui levado por esse caminho. De um ponto em diante, fiz a minha escolha nesse recorte possível. Construí a partir de uma visão particular de quatro sujeitos que, apesar de pouca idade, resistem, lutam, e se empoderam a cada dia. As gêmeas Rayene e Rayele e os jovens Rafael e Vanderson representam, dentro desse simulacro possível - retratado numa sequência de sons e imagens -, uma parte daquilo que se considera, hoje, comunidade LGBT de periferia. Todos eles estão num processo de construção da suas identidades, sejam elas sexuais ou de gênero. Mas, independente da fluidez dos gêneros e sexualidades que podem assumir no futuro, ou a afirmação das identidades construídas, eles são, hoje, sujeitos que lidam, cotidianamente, com todas as situações adversas que uma periferia de uma cidade histórica mineira tem. Tanto o preconceito por causa da orientação sexual quanto pela identidade de gênero que assumem são marcas que cada um levará no dia a dia e que, ao resistirem, fazem com que o confronto seja parte do cotidiano. Afinal, vivenciam uma realidade em que se sentem mais suscetíveis a serem vítimas de agressões físicas e verbais. Porém, apesar de temerem, cada um se apresentou diante das câmeras de forma corajosa, e mais: orgulhosa. Não estavam dispostos apenas a contarem todos seus temores, mas, também, queriam partilhar suas afetividades, mostrar que, apesar de todas adversidades na família, escola, bairro, eles também se divertem, dançam e buscam se empoderar. Entenderam, ao longo do processo, a potência do que é estar num filme. E mais: revelaram-nos que ser LGBT de periferia é sinônimo de resistência.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁICAS</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2">CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA. Áreas de reabilitação urbana.Disponível em: <http://www.portaldahabitacao.pt/pt/portal/reabilitacao/aru_vermais.html>. Acesso em: 23 de abr. 2017.<br><br>COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário/Jean-Louis Comolli; seleção e organização, César Guimarães, Rubens Caixeta; tradução, Augustin de Tugny, Oswaldo Teixeira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.<br><br>DA-RIN, Silvio. Espelho partido: tradição e transformação do documentário. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2006 (1ª. Ed. 2004). <br><br>DF. SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. (Ed.). RELATÓRIO SOBRE VIOLÊNCIA HOMOFÓBICA NO BRASIL: ANO DE 2012. Brasília: Sdh, 2013. 101 p. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/lgbt/pdf/relatorio-violencia-homofobica-ano-2012>. Acesso em: 15 abr. 2017.<br><br>GRUPO GAY DA BAHIA (GGB) (Org.). Assassinatos de LGBT no Brasil: Relatório 2015. Salvador, 2016. 17 p. Disponível em: <http://pt.calameo.com/read/0046502188e8a65b8c3e2>. Acesso em: 15 abr. 2017. <br><br>LEAL, Bruno Souza; CARVALHO, Carlos Alberto. Sobre Jornalismo e homofobia ou: pensa que é fácil falar? . Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós Graduação em Comunicação | E-Compós. Brasília, v.12, n.02, p. 1-15, maio-ago. 2009. ISSN 1808-2599. <br><br>LOURO, Guacira Lopes. Pedagogias da sexualidade. In: O corpo educado: pedagogias da sexualidade; Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. 3º Edição. Belo Horizonte, MG. Autêntica Editora, 2010. p. 09-34. <br><br>NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário; tradução Mônica Saddy Manins.Campinas. SP: Papirus. 2005.<br><br>STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. 5ª Edição. Campinas, SP: Papirus, 2003.<br><br> </td></tr></table></body></html>