ÿþ<html><head><meta http-equiv="Content-Type" content="text/html; charset=iso-8859-1"><title>XXII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste</title><link rel="STYLESHEET" type="text/css" href="css.css"></head><body leftMargin="0" topMargin="0" marginheight="0" marginwidth="0"><table width="90%" border="0" align="center" cellPadding="1" cellSpacing="1"><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td width="20%"><span class="quatro"><b>INSCRIÇÃO:</b></span></td><td width="80%">&nbsp;01391</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>CATEGORIA:</b></span></td><td>&nbsp;JO</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>MODALIDADE:</b></span></td><td>&nbsp;JO16</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>TÍTULO:</b></span></td><td>&nbsp;Quem são eles?</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>AUTORES:</b></span></td><td>&nbsp;Andrezza Angélica Lima (Universidade Federal de Ouro Preto); Fábio Henrique Melo Galdino (Universidade Federal de Ouro Preto); Adriano Medeiros da Rocha (Universidade Federal de Ouro Preto)</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td><span class="quatro"><b>PALAVRAS-CHAVE:</b></span></td><td>&nbsp;Comunidade, Documentário, Identidade, Ocupação, </td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>RESUMO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">O objetivo deste trabalho é apresentar o processo criativo e prático da construção do documentário "Quem são eles?", filmado na Ocupação Paulo Freire, localizada na região do Barreiro, em Belo Horizonte - MG. O vídeo é produto do Trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo de Andrezza Lima e Fábio Melo. A maior preocupação desta atividade é conhecer, documentar e apresentar uma realidade que, muitas vezes, é desconhecida e até mesmo marginalizada nas grandes metrópoles.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>INTRODUÇÃO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">O título Quem são eles? é uma provocação e o ponto de partida deste trabalho. Propomos aqui a reflexão sobre como enxergamos e tratamos o outro, um indivíduo que, algumas vezes, está mais próximo do que imaginamos. Aqui, o outro é um morador de uma ocupação urbana que sonha e luta pelo direito à moradia. Chegamos a esse tema após várias inquietações sobre a forma como as ocupações urbanas são retratadas pela grande mídia. No geral, só entram em destaque quando sofrem ordem de despejo ou quando acontece algum confronto direto dos moradores com o poder público. Assim, pretendemos descobrir aquilo que existe por trás, que não é falado, nem noticiado. Questionamos também quais são as expectativas e problemas enfrentados pelos indivíduos que moram nessas comunidades. Nesses espaços, muitas vezes falta o básico para que as pessoas vivam com dignidade. Apurar e retratar essas realidades através de um documentário é atentar-se para histórias que poucos se propõem a escutar, mas que dizem muito sobre o modo pelo qual a sociedade se organiza e trata os menos favorecidos.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>OBJETIVO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">O objetivo do filme é documentar as dores, as alegrias e as lutas que marcam a vida dos moradores da ocupação Paulo Freire, localizada em Belo Horizonte. E, a partir dos relatos, oferecer subsídios para a reflexão sobre como é enfrentar essa realidade. Nossa motivação é o desejo de dar vez e voz aqueles que, geralmente, não ganham nome nas manchetes do noticiário - no máximo, são retratados como os moradores de tal ocupação. Queremos mostrar que essas pessoas existem e possuem sonhos e dificuldades como qualquer ser humano e que, por isso, merecem uma vida com mais qualidade e dignidade.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>JUSTIFICATIVA</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Zygmunt Bauman (2005) afirma que uma das coisas que o ser humano mais deve temer é a exclusão. Pois, justamente em uma ocupação, esta é a clara realidade da grande maioria dos moradores. Não houve um complexo processo de escolha por parte dos ocupantes para estar lá, como grande parte da sociedade imagina, mas sim a necessidade urgente de sobreviver à exclusão social provocada por questões econômicas, familiares e até mesmo políticas. As realocações, as formas de tratamento que recebem tanto das autoridades quanto de outras pessoas que não conhecem o movimento, as condições sub-humanas em que vivem quando enfrentam o frio e o calor em moradias de lona e/ou madeira fina, a falta de dinheiro para comprar os alimentos necessários para vencer o dia. Todas estas intempéries fazem parte do dia a dia dos moradores e podem ser classificadas como provocadoras da destruição das identidades sociais das pessoas que, por necessidade, estão em uma ocupação. A identidade social é diferente da identidade individual. Enquanto social, está ligada às relações simbólicas dos indivíduos na sociedade. Quando há a destruição dessa identidade social, há também a exclusão desses indivíduos dos círculos de convívio. Para Bauman (2005), isso é o resultado de um processo descontrolado de globalização, que não pode e nem deve ser paralisado, mas precisa ser repensado na medida em que os sistemas dominantes de representação provocam situações como essa. O interior de uma ocupação é repleto de elementos que compõem o que pode-se chamar de sistema simbólico de reconhecimento. Lá, os moradores convivem com as semelhanças e as diferenças em relação aos que não moram na comunidade. A sensação de pertencimento é o que nutre a identidade desses indivíduos, que vivenciam situações semelhantes entre eles. E além da referida exclusão social, os moradores de comunidades ainda precisam enfrentar as dificuldades de organização e de infraestrutura nos locais de permanência. Porém, o desenvolvimento dessa comunidade vai depender da maneira como seus moradores lidam com todos esses problemas. Segundo Maria Luiza, "além dos limites físicos desse espaço, a falta de condições mínimas de infraestrutura coletiva, como água, luz, esgoto (...) é sentida por todos e, como tal, facilmente passível de gerar movimentos de enfrentamento em busca de solução para tais necessidades" (1999, p.14-15). Como exemplo de luta comunitária, podemos citar o início do estabelecimento da ocupação Paulo Freire. Segundo relatos da líder comunitária Ana Cristina, os primeiros meses foram os mais complicados, principalmente a primeira semana "porque a polícia aparecia aqui toda hora, seja para ficar olhando ou para nos confrontar". Mas foram nesses momentos que a comunidade mais se uniu. "Quando os policiais chegavam, o pessoal da portaria gritava e todo mundo ia correndo para enfrentar o problema", relata Ana. É preciso ressaltar que o confronto nem sempre ocorre de forma direta. A barreira da purificação pode ser sentida através de olhares tortos, negativas na procura por emprego, na dificuldade de socialização. O ser comunitário muitas vezes estreita os vínculos com os demais integrantes do grupo, mas, por outro lado, é distanciado da realidade do "mundo lá fora". Portanto, a justificativa desse trabalho é pautada pela necessidade de "dar luz" a essas questões que muitas vezes são silenciadas e negligenciadas pela sociedade ou até mesmo abordadas de forma simplista e generalizada pela grande mídia (deixando de lado a perspectiva humana e social). Queremos mostrar que essas pessoas são muito mais do que "invasoras" (como muitos dizem) de terras, buscando quebrar tabus e fronteiras que são construídos junto aos muros ou telas das ocupações.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">Documentar é abrir uma janela para a representação de histórias do mundo. Fazer um documentário é apresentar uma perspectiva histórica, social e cultural sobre um lugar, uma pessoa ou um grupo através do audiovisual. Por isso, esse foi o formato escolhido para contar a história da Ocupação Paulo Freire. Processo de produção O levantamento de dados foi o primeiro passo para a consolidação da proposta deste filme. Saber qual ocupação poderia se tornar nosso objeto de estudo era a primeira preocupação. Pensando nessa preparação, buscamos reportagens, vídeos disponíveis no YouTube e até postagens em redes sociais relacionadas às ocupações de BH. Essas informações nos ajudaram a escolher a ocupação Paulo Freire como o centro das filmagens; primeiro por ser uma comunidade recente, fundada em maio de 2015, o que facilita o diálogo com as lideranças e o recorte das histórias; e também por estar localizada em um lugar de fácil acesso para os integrantes do projeto. Estrutura do documentário Antes das primeiras visitas, apenas imaginávamos como seriam as entrevistas e uma possível abordagem fílmica. Com a ajuda do professor orientador, conseguimos estabelecer estratégias e uma sugestão de estrutura para o documentário. Desde o começo optamos pelo foco em depoimentos que trouxessem detalhes sobre o dia a dia, a organização e a criação da ocupação. Afinal, "Quem são eles?", foi a pergunta norteadora das nossas reuniões de planejamento, fundamental para pensarmos como retratar aqueles que se tornariam nossos parceiros de produção. Outro ponto levantado foi a busca por uma montagem com características estéticas que remeteriam à simplicidade, sem o uso de sofisticados efeitos de transição ou de variação rítmica para que a história dos entrevistados fosse mais forte do que qualquer outra interferência. A contribuição dos moradores ao longo da concepção do filme também foi uma ideia levantada desde o início. O objetivo era que os moradores fossem mais que personagens, mas, também, colaboradores da produção; algo que nos parecia pertinente para um filme que deveria trazer a essência deles. Naquele momento, existia uma vontade de selecionar moradores para nos ajudar com o uso dos equipamentos, a mediação das entrevistas, e, posteriormente, aconselhar-nos no processo de edição. Montaríamos um grupo focal para o diálogo e constituição do planejamento da obra. Contudo, estávamos lidando com o imprevisto. Para envolver os moradores, fizemos um resumo sobre o que é um documentário (processo e conceito) e como fazer entrevistas. Também explicamos o que estávamos fazendo ali e os convidamos para fazer parte da produção. Porém, talvez pelo estranhamento com a linguagem audiovisual e até mesmo por timidez ou falta de disponibilidade, não conseguimos envolvê-los no projeto como gostaríamos. De toda forma, alguns nos acompanharam durante as entrevistas e ajudaram oferecendo suporte técnico (gravando algumas imagens e auxiliando na captação de som direto). Eles muitas vezes também eram os nossos guias na ocupação, mostrando onde cada personagem morava. Sempre curiosos, os poucos que nos acompanhavam ficavam atentos às entrevistas e, nos bastidores, completavam algumas daquelas histórias. Entre as contribuições dos moradores, encontra-se uma imagem feita por um deles no filme. A gravação do amanhecer na comunidade (do início do documentário) foi feita a partir de um pedido nosso. Também fizemos outras solicitações de imagens para outros moradores, como forma de aproximá-los da produção; porém, não conseguimos o envolvimento dos demais. Com relação às filmagens, optamos por usar somente luz natural, já que se tratava de um ambiente muito rico imageticamente e que dizia muito sobre aquelas pessoas. A luz artificial, nesse caso, poderia distorcer alguns elementos visuais. Uma das nossas dificuldades na concepção do filme era pensar como seriam as transições entre os capítulos. Para isso, resolvemos usar imagens de cobertura que tivessem, de certa forma, relação com a mudança temática; algo que levasse o público a imaginar, subjetivamente, qual seria o próximo assunto. Lembrando que todas as imagens do documentário foram feitas dentro da própria ocupação. A edição "Quem são eles?" foi concebido depois de inúmeros cortes do material bruto (que totalizava mais de 10 horas de gravação) entre entrevistas, imagens de cobertura e fotografias de arquivo. Foi nesta etapa da produção que, de fato, surgiu a estrutura do roteiro final. Depois da análise das filmagens e de algumas reuniões de orientação, resolvemos dividir o filme em subtemas. Depois dos cortes, reduzimos o material para duas horas. A partir deste processo, conseguimos fazer a separação e a descrição das imagens (decupagem) para facilitar o agrupamento das gravações dentro dos temas estabelecidos. Entre os temas, o amanhecer, a satisfação dos nossos entrevistados em fazer parte da ocupação Paulo Freire, a motivação por trás da decisão de ocupar aquele terreno, a indignação com o descaso do Estado, as histórias de vida, a indiferença entre alguns moradores e, ao mesmo tempo, a união em volta da luta pelo direito à moradia. A primeira versão, ainda incipiente, tinha 50 minutos, o dobro do tempo que imaginávamos atingir no início da produção. A maior dificuldade aqui foi reduzir o conteúdo do vídeo, sem perder a sua essência e tantas informações significativas para o contexto. Para Bernard (2008) "costuma ser melhor proporcionar menos informações ou um menor número de cenas do que incluir tudo, apresentando tudo de maneira abreviada". Seguindo essa sugestão, resolvemos cortar algumas imagens para que outras tivessem um peso mais forte e sensível ao tema. A nova versão surgiu como mais uma tentativa de aprimoramento do material disponível. Após outras reuniões de orientação e observações sobre o processo, identificamos a necessidade de voltar à comunidade para realizar uma nova captação de imagens de cobertura. A proposta era buscar material visual para caracterizar o local e o dia a dia dos moradores, permitindo que o documentário ganhasse mais sensibilidade e apuro estético. Por fim, nesta versão também cuidamos dos detalhes de refino da edição (legendas, identificação dos personagens, créditos, transição entre imagens, correção de áudios). Depois de outras duas versões, chegamos a um documentário com cerca de 38 minutos de duração. Entre as nossas escolhas estéticas, utilizamos o corte seco como principal mecanismo de transição entre os planos para deixar que as entrevistas fluíssem, empregando um ritmo contínuo durante todo o filme. Como ferramenta sonora, utilizamos sons diegéticos em algumas imagens de cobertura. Captados na própria ocupação, esses sons possuem a finalidade de completar a subjetividade contida nas transições entre os capítulos. Os demais áudios foram captados simultaneamente às imagens. Apenas no final do filme utilizamos uma canção para suavizar a entrada dos créditos e a conclusão do documentário. Decidimos não utilizar trilhas musicais durante o filme para não corrermos o risco de empregar algum tipo de opinião nossa no trecho ou até mesmo para não perder a objetividade das entrevistas. Além dessas ferramentas, também utilizamos os letters como um recurso para complementar a fala dos entrevistados. Eles servem como uma legenda explicativa sobre o assunto abordado pelo personagem naquele momento e ajudam a dispensar falas confusas ou muito longas.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr> <td colspan="2"><span class="quatro"><b>DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2" align="justify">A ocupação Paulo Freire surgiu em maio de 2015 e está localizada no Bairro Jatobá em Belo Horizonte. O terreno ocupado, de acordo com moradores, foi doado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) a uma empresa de ônibus. Essa empresa deveria, conforme o acordo com a PBH, ter feito uma nova sede no local, oferecendo mais empregos na região. Porém, até 2015 este acordo não havia sido cumprido pela iniciativa privada. Hoje o local é o lar de mais de 150 famílias que esperam pela regulamentação dos terrenos divididos entre os moradores. A ocupação é formada por quatro ruas cortadas por outras três transversais. Não há pavimentação e esgoto. As redes de água e energia elétrica foram "puxadas" da rua, ou seja, são irregulares. No dia 10 de julho de 2016, em meio à terra solta, por onde crianças brincam todo o tempo, animais fazem suas necessidades e muitos moradores ainda passam com seus carrinhos com materiais para construção, realizamos a primeira visita. Foi a líder comunitária Ana Cristina que nos mostrou um pouco das instalações. Sobre a descoberta do terreno, os moradores contam que uma equipe de advogados do MLB analisou todas as condições legais da área antes que ela fosse ocupada. Enquanto fazem esses estudos jurídicos de lotes, o MLB cria núcleos de preparação política e psicológica. Através desses grupos, eles convidam novos integrantes, organizam fichas de cadastro, estudam o histórico de cada pessoa (investigam se ela realmente precisa de moradia) e ainda explicam como funciona o movimento, os riscos de ocupar e como deve acontecer o dia de entrar no terreno. Tudo organizado, o grupo se articulou para ocupar. Em uma única madrugada (31 de maio de 2015), em silêncio, famílias e apoiadores entraram no terreno e começaram a armar as barracas de lona (depois de capinar e limpar tudo). A cozinha comunitária e a creche foram os primeiros pontos a ficar de pé, depois vieram as barracas de lona. Ao amanhecer, tudo já estava pronto. A polícia chegou para tentar intervir, mas a articulação dos moradores não permitiu. Hoje, já são várias casas feitas com tijolos e cimento. Poucos ainda continuam sem condições para construir e vivem sob lonas e compensados de madeira. As ruas tomaram forma e os pequenos lotes estão todos separados pela planta desenvolvida pelo engenheiro militante do MLB. As construções, em geral, são compostas por dois ou três cômodos, às vezes com um banheiro, quase todas sem acabamento. Por dentro, algumas não possuem nem mesmo eletrodomésticos básicos, como geladeira e fogão. No dia 20 de agosto de 2016, uma nova visita. Esta foi a primeira vez que conseguimos reunir um grupo com cerca de 10 moradores para falar sobre o nosso projeto e como seriam feitas as gravações: sempre nos fins de semana dos próximos dois meses, entrevistando quem mora na ocupação com o apoio deles (fazendo imagens dos bastidores ou ainda manuseando o microfone). A receptividade foi animadora, apesar dos moradores não terem contribuído tanto quanto desejávamos. A primeira sessão de entrevistas foi realizada no dia 27 de agosto. Um microfone com monopé, duas filmadoras pequenas, cabos e um tripé. Todo este material ocupou nossas mãos e nos deu ainda mais coragem para os novos desafios. Dentro da ocupação, fomos recebidos por Ana Cristina mais uma vez, mas optamos por ainda não entrevistá-la. Então encontramos Maria César, 59 anos, risonha e com medo de não conseguir falar diante das câmeras, foi a nossa primeira entrevistada. Extraímos suas histórias, seus olhares, seus sorrisos e sua confiança, já que nos próximos dias ela estaria nos acompanhando em quase todas as gravações. Ainda naquele sábado, encontramos outra fonte. Wolquimar Ferreira, 52 anos, estava em sua casa quando nos concedeu uma entrevista. Ele é coordenador regional do MLB e explicou o passo a passo da criação de uma ocupação e como foram os primeiros dias naquele terreno. Esta segunda conversa nos ajudou a planejar alguns novos questionamentos que faríamos aos futuros entrevistados. No próximo fim de semana, 4 de setembro, retornamos à ocupação. Naquele dia entrevistamos Ana Cristina, 36 anos, uma das atuais coordenadoras da ocupação e peça fundamental para nos colocar em contato com os outros moradores. Ela explicou como se tornou parte da linha de frente da Paulo Freire, ocupando a posição de coordenadora de segurança da comunidade. Também conversamos sobre sua vida pessoal, os primeiros dias naquele lugar e sobre os dilemas que permeiam o dia a dia dos moradores. Aquele domingo ainda nos rendeu mais uma entrevista com outro coordenador. Edney Cassiano, 37 anos, se mostrou um pouco cansado dos problemas da comunidade, mas disposto a ajudar sempre mais. Ele também nos auxiliou dando suporte técnico em várias entrevistas. Seu relato levantou questionamentos às ações do Governo para os brasileiros sem moradia e ainda o alto preço dos aluguéis. Um novo fim de semana, o mais intenso de todos eles. Sábado, dia 10 de setembro, às nove da manhã, iniciamos as filmagens. Este foi um dos dias mais produtivos desta etapa. Conseguimos três novos entrevistados. A primeira foi Sirlane Oliveira, 36 anos, que mora em dois cômodos com seus sete filhos e o marido. Vivendo do salário dele como garçom e de um auxílio do programa Bolsa Família, fez um relato sobre as dificuldades dos tempos em que morava de aluguel e, agora, sobre a satisfação em poder atender alguns pedidos básicos dos filhos (como a compra de roupas, calçados e algumas guloseimas) - já que não precisa mais gastar com o aluguel. Depois, conversamos com Luiz dos Santos, 33 anos, conhecido pela boa vontade em ajudar os vizinhos. Morando em dois cômodos pequenos, feitos de madeira compensada, ele trabalha para nivelar o pedaço de terra que ganhou. Sem móveis e eletrodomésticos básicos para o funcionamento de uma casa, nosso entrevistado falou de luta, perseverança e união entre os moradores para conseguirem conquistar o reconhecimento das autoridades. Por fim, o sábado de filmagens se encerrou depois de uma conversa com Flaviana Resende, 33 anos. Seu depoimento baseou-se em suas atribuições como gestora da ocupação, sobre seu filho de 12 anos que agora mora com o pai em outra cidade e sobre os problemas da Paulo Freire, com foco no individualismo de alguns moradores. No dia seguinte, 11 de setembro de 2016, retornamos à Paulo Freire. Novamente, realizamos três entrevistas. A primeira foi com a moradora Bruna Paranhos, 31 anos, mãe de duas crianças, uma delas portadora de necessidades especiais de locomoção. Na porta de sua casa, que é grande, mas também é feita de madeira compensada, falamos sobre o processo de transição para a ocupação, as experiências de viver naquele lugar e os pontos positivos e negativos de ter deixado o aluguel. Bruna também relatou situações de preconceito que já enfrentou no trabalho como cuidadora de idosos e descreveu como é para o filho, que usa próteses nas duas pernas e não tem os dois antebraços, estar ali. No mesmo imóvel, vive o pai de Bruna, o Sr. Sebastião Filho, 71 anos, que depende de uma cadeira de rodas para se locomover. Um homem que adora pescar com os amigos e que ficou paraplégico depois de um acidente que sofreu na volta de uma tarde de pescaria. Sebastião é a figura que gosta de contar histórias para os vizinhos. Tem muita experiência para trocar e relata que aquele terreno, já foi, inclusive, um "bota-fora" (de pessoas e animais mortos). As entrevistas do final de semana terminaram com o discurso emocionado de Sirlei Vieira, 44 anos. Dentro da sua casa, num pequeno quintal onde ela e o marido sonham transformar numa área gramada, seus relatos demonstraram fé em Deus e a garra que precisou ter para suportar os primeiros dias de ocupação e para continuar acreditando nos seus sonhos. Ela chorou enquanto falava das dificuldades, da falta de comida para as crianças e sobre o desespero em ter que ajudar as pessoas nos primeiros dias mesmo com tanta angústia e sofrimento atormentando-a.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>CONSIDERAÇÕES</b></span></td></tr><tr width="90%"> <td colspan="2" align="justify">Depois de meses imersos nas histórias da ocupação Paulo Freire, sentimos que ela agora também faz parte de nós. Sempre nos lembraremos com carinho do almoço da Maria César (cotidianamente simpática e sorridente), da disposição e garra da Ana Cristina e dos muitos abraços que ganhamos das crianças espalhadas pela comunidade. Com os moradores da Ocupação Paulo Freire, percebemos que ainda temos muito o quê aprender e desenvolver como profissionais e seres humanos. Lá conseguimos enxergar o quanto podemos ser preconceituosos mesmo sem perceber. E descobrimos que só podemos nos despir desses tabus quando conhecemos as dores, as dificuldades e os sonhos das pessoas. E o nosso dever como profissionais é "jogar luz" a essas questões que pulsam na sociedade e que precisam ser divulgadas para que outras pessoas também possam refletir e se despir de seus preconceitos. Enfim, nesse documentário percebemos o quanto a informação pode ser libertadora quando gera debate, reflexão e mudança de postura. Esperamos que a ação desse documentário não termine aqui, mas seja contínua. Nosso objetivo é que o público entre nessa história conosco e se surpreenda ao descobrir que "eles" podem ser qualquer um de nós (ontem, hoje ou amanhã). Nesse processo, conseguimos perceber como o coletivo e o individual podem se fundir na vida real, para além das questões teóricas. Também sentimos as dificuldades de produzir um documentário. Aprendemos novas técnicas de filmagem e montagem, formas de abordagem de entrevistados e saímos com mais sensibilidade para enxergar novas histórias em pequenos detalhes. Por fim, percebemos que esse documentário representa aquilo que temos como ideologia profissional: o objetivo de dar voz para aqueles que têm a dizer, mas não costumam ser ouvidos.</td></tr><tr><td colspan="2">&nbsp;</td></tr><tr><td colspan="2"><span class="quatro"><b>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁICAS</b></span></td></tr><tr width="90%"><td colspan="2">BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.<br><br>BAUMAN, Zygmunt. A Sociedade individualizada: Vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2008.<br><br>BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.<br><br>BERNARD, Sheila Curran. Documentário: Técnicas para uma produção de alto impacto. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.<br><br>FREIRE, Marcius; LORDOU, Philippe. Descrever o visível: cinema e documentário e antropologia fílmica. São Paulo: Estação Liberdade, 2009.<br><br>NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. São Paulo: Papirus, 2005.<br><br>PUCCINI, Sérgio. Roteiro de Documentário: Da pré produção à pós produção. Campinas: Papirus, 2009.<br><br>SOUZA, Maria Luiza de. Desenvolvimento de comunidade e participação. 6° ed. São Paulo: Cortez, 1999.<br><br> </td></tr></table></body></html>