INSCRIÇÃO: | 00984 |
CATEGORIA: | PT |
MODALIDADE: | PT04 |
TÍTULO: | "A História Quem Conta é Você": uma busca pela subjetividade na fotografia artística sequencial |
AUTORES: | camila raphaela peres mancio (Universidade Tecnológica Federal do Paraná); Anuschka Reichmann Lemos (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) |
PALAVRAS-CHAVE: | Fotografia-Artística, Narrativa, Sequência, Subjetividade, Íntimo |
RESUMO | |
A fotografia lida como arte é o campo de estudo deste projeto. Assim, pretendo descrever a trajetória do processo de criação e reflexão da fotografia-artística sequencial “A História Quem Conta é Você” – realizada na disciplina de Fotografia, do curso de Comunicação Organizacional, na Universidade Federal do Paraná (UTFPR), campus Curitiba (PR), durante o primeiro semestre de 2017 – cuja busca se voltou em trabalhar com o processo de recepção da subjetividade da imagem por meio da exploração da narrativa em quadros fotográficos. No decorrer deste trabalho, a discussão será voltada para a literatura de autores que foram peças-chave na construção deste projeto: Martine Joly, Rolland Barthes e Boris Kossoy e os ensaios fotográficos dos artistas: Duane Michaels e Nan Goldin. | |
INTRODUÇÃO | |
No presente trabalho, discuto e descrevo o processo de criação da fotografia-artística sequencial “A História Quem Conta é Você”, inserida em um ensaio intitulado como “Narrativas Visuais”, iniciado no primeiro semestre de 2017, dentro da disciplina de Fotografia, no curso de Comunicação Organizacional, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Curitiba (PR). A partir da proposta de produzir um ensaio fotográfico artístico, a minha ideia era contar histórias a partir de narrativas por meio de sequenciais fotográficas trabalhadas por meio de uma brincadeira com as categorias plásticas/estéticas. Mas ao longo desta trajetória, especialmente após ampliar meu olhar fotográfico, saí de minha zona de conforto e busquei produzir sequências que pudessem ser lidas de forma mais enigmática e simbólica. “Imagens técnicas e simbólicas interagem entre si e fluem initerruptamente num fascinante processo de criação e construção de realidades – ficcionais.” (KOSSOY,2007, p.147) Com este novo viés, como no caso da obra selecionada, comecei a produzir narrativas fotográficas que se pudessem se completar em seus “entre-espaços”. Isto é, por meio das lacunas que podem ser decifradas pelo leitor. Destaco que desde o início das reflexões sobre a proposta, as temáticas se voltaram predominantemente para a literatura de autores que estudam o potencial da imagem como um processo de produção e recepção a partir de suas delimitações teóricas. Assim, os pensamentos de Martine Joly, Rolland Barthes e Boris Kossoy influenciaram meu próprio processo de criação, porque fotografar não é apenas apertar um botão, há todo um processo de pré-produção e reflexão envolvido neste ato. Ademais, os trabalhos e reflexões dos fotógrafos-artistas: Duane Michaels e Nan Goldin serão explorados com mais detalhes ao longo desta trajetória, devido a influência que exerceram sobre este projeto. | |
OBJETIVO | |
“A História Quem Conta é Você” deriva de um ensaio maior, cujo objetivo inicial era contar pequenas histórias por meio de fotografias sequenciais. Ao ser desafiada a produzir um ensaio fotográfico artístico, minha ideia era trabalhar com narrativas curtas que contassem fatos cotidianos, por meio de uma brincadeira com as categorias plásticas – cores, formas, profundidade de campo, enquadramentos, entre outros. Ao longo deste processo, e especialmente, após conhecer o trabalho do fotógrafo estadunidense Duane Michals, o objetivo se encorpou, pois, até minha própria compreensão sobre narrativas havia se ampliado. A partir deste ponto, a ideia era trabalhar com as categorias plásticas, mas sobretudo com as simbólicas. Algumas mudanças são comuns no decorrer de um projeto, conforme leciona o escritor Boris Kossoy (2001, p.42-43), o filtro cultural não se restringe ao interlocutor. Ao ter novas experiências, explorar os recursos tecnológicos e suas escolhas plásticas, o fotógrafo altera o resultado final da sua imagem, e, consequentemente, os sentidos do usuário. Comecei a buscar alternativas de provocar e, mais que isso, promover reflexões e novos sentidos por meio de narrativas que fugissem de uma leitura óbvia, que pudessem tirar o receptor da zona de conforto por meio de leituras abertas. Para a concretização e remodelação do projeto, os objetivos específicos se estabeleceram em: a) conhecer os diferentes equipamentos fotográficos e suas possibilidades estéticas (isto é, qual equipamento poderia proporcionar o resultado esperado); b) compreender os fazeres fotográficos, relacionando seus processos e técnicas (qual a relevância do trabalho e técnicas utilizadas) e c) Explorar projetos de fotógrafos atuantes em diferentes áreas da fotografia artística e as poéticas atribuídas as suas obras, relacionando seus inúmeros contextos, escolhas técnicas e simbólicas. | |
JUSTIFICATIVA | |
No Brasil, a partir da década de 90, a Fotografia – com a substituição dos aparelhos analógicos pelos digitais – promoveu uma difusão dos equipamentos tecnológicos e se popularizou, estabelecendo, assim, novas formas de uso. As câmeras digitais e o uso do recurso no aparelho celular traçaram novas relações entre o produtor e o receptor. Trata-se de uma relação de Instantaneidade, em que a tecnologia facilitou o acesso e potencializou a produção de fotografias, inclusive de imagens voláteis, com sentidos limitados. É importante perceber que a fotografia, como imagem estética, tem o poder de subverter ordens já pré-estabelecidas, provocar e gerar sentidos, mesmo que não seja a intenção inicial do fotógrafo-artista. E este um dos papeis da Arte: deslocar seu interlocutor de sua zona de conforto e convidá-lo a mergulhar em uma trama. Em nosso país, a Arte dita como provocativa tem resistido à duras penas. Basta recordar os desfechos da Exposição “Queermuseu” fechada após receber ataques de grupos sociais conservadores, em agosto de 2017, pelo Santander Cultural, na cidade de Porto Alegre (RS). Trata-se de uma busca por sair da obscuridade e provocar o receptor. Deste modo, como representação artística, a fotografia não se exclui desta busca, pois convida o receptor a doar mais tempo à obra do que está acostumado, e consequentemente, ter uma leitura aberta e reflexiva, com a finalidade de resolver os mistérios que a imagem carrega em si. O leitor mais atento que quiser refletir sobre a obra deverá, como lecionado por Vilém Flusser (1985, p.9), vaguear os olhos na superfície da imagem e elencar os significantes da obra que despertam inquietações. A esta dinâmica, dá-se o nome de Eterno Retorno, cujo processo de recepção é peça-chave na construção de novos sentidos, e, consequentemente, ficções. A partir dessa discussão, a defesa deste trabalho se dá pelo uso da Fotografia lida como expressividade, que pela compreensão da subjetividade, propõe leituras diferenciadas, que podem, inclusive, ser lidas por um viés político e social. Justifica-se também pela exploração da narrativa, uma área ainda pouco explorada na Fotografia Artística, que por meio da intertextualidade e das sequências fotográficas podem promover novas leituras e reflexões, pois a narrativa é um discurso textual de fatos sequenciais que expressa um acontecimento, história ou ideia. A estrutura de narração é formulada, como leciona o pesquisador Ronald Barthes (1971, p.39), a partir de tempo, espaço e enredo, mesmo que não identificáveis à priori. Algumas podem ser descritas em seu sentido literal, outras podem ser complexas por meio de inúmeros signos da linguagem escrita, verbal e visual. As fotografias sequenciais, embora não apenas nesse estilo, justificam-se por estabelecer relações entre o tempo presente e o passado. No caso da fotografia selecionada, a narrativa se estabelece entre ambos os quadros fotográficos, demonstrando que há um enigma entre os quadros fotográficos a ser decifrado. A falta de elementos descritivos como tempo, enredo e espaço, e o suporte do título “A História Quem Conta é Você”, além de ter potencial de desafiar o interlocutor a interagir com a obra, não conduzem a fotografia por um fio condutor próprio. Isto é, estes espaços devem ser preenchidos pelas criações mentais de cada indivíduo (influenciado pelo contexto cultural, social, político e econômico). Estes espaços deixados pelas mensagens fotográficas transformam a imagem estética em uma janela aberta – termo proposto por Rolland Barthes (1990) – e estabelece as conexões da obra, à nível descritivo e imaginativo, porque ao reparar na obra, o leitor pode se recordar de momentos íntimos, sonhos, ter novas ideias e reflexões. Sobre esta temática, Boris Kossoy (1999) argumenta que os elementos descritivos da imagem são chamados de primeira realidade e as interpretações/recepções sobre estes elementos são chamadas de segunda realidade. | |
MÉTODOS E TÉCNICAS UTILIZADOS | |
Tudo começou com o desafio de propor um ensaio fotográfico – atividade avaliativa na disciplina de Fotografia no primeiro semestre de 2017 – avaliado pelo domínio da técnica e defesa do conceito/tema do projeto. A partir disso, minha ideia inicial era compreender melhor os processos de representação e como o uso criativo das categorias plásticas dentro das fotografias sequenciais poderiam trazer sentidos amplos. Este ensaio me trouxe algumas inquietações. Isto porque, ao longo do projeto, a minha visão sobre narrativa ganhou outras relações, especialmente quando minhas referências nesta área se ampliaram e me mostraram novas possibilidades de criar – como será explicado com mais detalhes na etapa: “Descrição do Processo ou Produto”. Deste modo, com o objetivo de alicerçar a técnica e conceito dentro da Fotografia Artística e compreender meu método como um todo, precisei desenvolver meu próprio processo de criação para dar conta de responder às angústias e falhas que surgiram ao longo do caminho. Para Maria Ruggeri (2013, p.230) ao referenciar Fayga Ostrower (1978) acredita que “[...] o processo de criação está vinculado a um fazer concreto, envolve a ação, transformação e configuração de uma determinada matéria.” O meu processo de fazer artístico contou com uma estruturação e um processo metodológico, explorado a seguir, para estabelecer relações entre a criatividade e os prazos propostos pela própria disciplina. A metodologia – de caráter experiencial e documental – para a concretização deste projeto, e especificamente da fotografia “A História Quem Conta é Você”, contou com três fases – pré-produção, produção e a pós-produção – que se desdobraram em suas próprias especificidades. A pré-produção se materializou em seis etapas: (1) Escolha e afunilamento do tema/objetivo; (2) Análises de projetos fotográficos de trabalhos de artistas que já trabalham com narrativas visuais; (3) Escolhas Técnicas: escolha dos equipamentos, levando em consideração, qual seria capaz de projetar o assunto desejado da melhor maneira; (4) Escolha do dia que a imagem seria produzida, levando em consideração os horários da própria modelo, (5) Escolha do cenário, da mise-en-scène e indumentária e (6) Documentação de todas as etapas anteriores. Já na fase de produção, as atividades se dividiram em: (1) Testar os elementos pensados a partir da fase de pré-produção. Isto é, quais as escolhas “funcionariam” e quais deveriam ser alteradas, levando em consideração quais se relacionavam ao vestuário, equipamentos, ambiente, e aos elementos que compõem a cena; (2) Preparação do cenário e (3) Cenografia, isto é, posicionamento da modelo em cena. Dentre as duas fases (pré-produção e produção), a seleção e testes dos equipamentos precisam ser mais detalhadas para a compreensão do produto final. Produzi as fotografias, tanto no formato RAW quanto JPGE, por meio de uma câmera DSRL Canon Rebel T5i, sem auxílio de tripé ou estabilizador, lente fixa com DF 50mm, da marca Yongnuo, com abertura máxima de F/1.8 e com o auxílio do flash embutido (Pop Up) do próprio equipamento. Utilizei meu próprio equipamento fotográfico não apenas na captação da imagem selecionada, mas em todo o projeto, pois a maioria das sessões foram realizadas fora da Universidade e durante os finais de semanas. Além do mais, a Canon Rebel T5i é um equipamento que produz imagens com alto nível de detalhes, leve e de fácil manuseio, oportunizando, assim, possibilidades plurais no ato de fotografar. Todas as configurações das fotografias selecionadas estavam no modo manual – abertura do diafragma, velocidade, sensibilidade do sensor (ISO) e o balanço de branco (WB) – pois são estes os fatores que determinam se o objetivo da fotografia será cumprido. Deste modo, realizei inúmeros testes com o próprio equipamento para ter domínio das técnicas necessárias. As fotografias que compõem a narrativa são nítidas, pois foram obtidas por uma combinação de velocidade e abertura do diafragma de 1/80 e F 1.8 (quadro 1), e, 1/50 e F 1.8 (quadro 2) respectivamente, possibilitando que o receptor possa ver com nitidez as camadas dos assuntos fotografados. Ademais, os quadros fotográficos foram produzidos sem auxílio do tripé, permitindo dois pontos de vista distintos dentro da narrativa (quadros 1 e 2). À nível técnico/estético, busquei uma harmonia individual em cada quadro fotográfico, relacionando os pontos de destaque de cada um. É válido evidenciar também que, mesmo sem a intenção, ao me mover na produção de uma fotografia para a outra, este movimento pode transmitir a sensação de continuidade na sequência, visto que o meu ponto de vista como fotógrafa-artista é levemente alterado entre quadros 1 e 2. Já o Flash embutido (Pop Up) do próprio equipamento, além de uma escolha estética, é sobretudo simbólica, inspirada em especial nos trabalhos de Nan Goldin, cuja luz dura traz um alto impacto visual. O próprio equipamento permite que este recurso seja utilizado no modo manual, definindo assim sua intensidade. No caso desta fotografia, optei em colocar a intensidade +1 (variação: -2 a +2), velocidade do obturador de 1/200 por segundo e com a sensibilidade do sensor (ISO) 200, por estar próximo ao assunto fotografado. Escolhi trabalhar com uma lente fixa com distância focal (DF) de 50 mm por ser uma lente clara (Abertura maior que F/2.0), com abertura máxima F/1.8, que tende a gerar uma relação de proximidade entre o assunto selecionado e seu receptor. No entanto, é importante destacar que utilizei uma câmera DSRL, e nela a DF 50mm passa a equivaler 80mm – ainda próxima ao olho humano – por causa do fator de corte (1.6) do equipamento, que reduz o tamanho do espaçamento da imagem. Já na fase de pós-produção, as etapas se concentraram em: (1) Limpeza e organização dos itens utilizados (equipamento, reorganização do cenário, limpeza do local); (2) Seleção das fotografias (3) Edição e correção de tons e cores da fotografia, pelo software Lightroom CC17; (4) Montagem da imagem a partir das fotografias que combinavam, pelo Photoshop CC17, (5) Documentação das três fases, (6) Escolha do título e (7) Avaliação sobre como as pessoas se sentiam ao ver/analisar a fotografia selecionada. Na parte de edição, selecionei dois softwares da adobe para me auxiliar: Lightroom e Photoshop. O primeiro, para corrigir questões básicas das fotografias (luminosidade, seleção cromática e contraste) e o segundo, para verificar quais as fotografias funcionariam em conjunto. O Photoshop CC17 me permitiu testar a seleção das imagens (quantidade, inclusão e descarte), ordem (vertical/horizontal e ordem dos quadros), a escolha da moldura (se necessário? E caso sim, em quais delas?) e o tamanho (devem ser iguais ou distintos?). A partir destas possibilidades, dos vinte cliques realizados no dia 3 de maio de 2017, escolhi apenas dois. Para esta seleção, levei em conta a composição das imagens como um todo. Ou melhor, quais delas poderiam sugerir uma harmonia plástica e múltiplas interpretações na narrativa final. A ordem dos quadros fotográficos é um dos fatores que considerei mais relevante no planejamento espacial da montagem, pois uma simples alteração poderia modificar o processo de construção de realidades. Em outras fotografias do mesmo ensaio, trabalhei com os mesmos quadros fotográficos em diferentes posições, apenas com a alteração da ordem. Ou seja, na primeira montagem (quadros 1, 2 e 3 – vertical) e na segunda (quadros 3, 2, 1 – horizontal). Estas escolhas também interferem no processo de recepção, pois, conforme revelado pelo escritor Boris Kossoy (1999, p.44), a fotografia depende de um processo de construção de representação, cuja interferência do produtor/fotógrafo deriva de suas escolhas (técnicas e estéticas). | |
DESCRIÇÃO DO PRODUTO OU PROCESSO | |
“A História Quem Conta é Você” é uma fotografia do ensaio intitulado como “Narrativas Visuais”, realizada na disciplina de Fotografia, durante o primeiro semestre do ano de 2017. A priori, o ensaio buscava trabalhar com narrativas curtas por meio de montagens que despertassem distintas percepções no indivíduo, bem como do uso das cores (quente x frio), enquadramentos, molduras, contrastes, profundidade de campo, entre outros. Nascia assim, uma busca pessoal, pois quanto mais eu produzia, mais buscava compreender o potencial representativo das imagens e os sentidos atribuídos às categorias plásticas. Realizei algumas fotografias sequenciais pensando nas experiências estéticas que o próprio equipamento fotográfico poderia proporcionar. Mas não estava realizada, pois faltava algo que ainda me incomodava. Esta inquietação se revelou quando conheci o trabalho do fotógrafo estadunidense Duane Michals, que também buscava contar narrativas a partir de imagens sequenciais, mas com um pequeno detalhe – suas narrativas eram carregadas de significados. Para o artista, a composição da imagem pode utilizar diversos elementos a fim de produzir sentidos à obra. Visão que fica evidente nas palavras do próprio autor: “A palavra-chave é expressão – não fotografia, não a pintura, não a escrita.” Seus trabalhos me inseriram em uma imersão fotográfica, pois a partir deste momento, eu queria mais que narrar pequenas histórias, queria fugir de uma interpretação a nível descritivo e incomodar o leitor, estimulando assim seu potencial imaginativo. O processo de reflexão requer mais do que apenas uma leitura superficial. Conforme lecionado pela pesquisadora Martine Joly (2006, p.96), em uma primeira leitura, compreende-se os “significantes” (elementos conotativos) e em segunda os “significados” (elementos denotativos) àqueles que promovem sentidos à obra – os sentidos criados não necessariamente correspondem ao ponto de vista de seu produtor. Outra inspiração para este processo vem do olhar da fotógrafa estadunidense Nan Goldin, especialmente em seu ensaio publicado em 1986, “The Ballad of Sexual Dependency” (A Balada da Dependência Sexual), que retrata a vida de seus amigos e familiares em ambientes domésticos, demonstrando uma relação de intimidade entre fotógrafo e seu assunto. Seu olhar fotográfico, ora espontâneo, ora planejado, revela uma sutileza que desfia o leitor a refletir sobre a imagem – autêntica por si só. “A História quem Conta é Você”, uma obra de carácter sequencial, que traz duas imagens, com cores vibrantes, luz dura, profundidade de campo alta e enquadramento fechado – quadro 1 (lado esquerdo) e quadro 2 (lado direito) – separadas por moldura (coloração branca), que, além de cobrir em torno do primeiro quadro, cria um espaço entre ambas as imagens, enquanto o segundo é apresentado sem a presença da moldura. A noção de continuidade não é determinada pelo conteúdo descritivo dos quadros 1 e 2, mas acontece entre os assuntos selecionados, por meio de um processo de criação de realidades, que deve, segundo o escritor Boris Kossoy (1941, p.44), formular a recepção imagética de cada um, relacionando os “significantes” aos seus valores e experiências. Algumas etapas neste processo de criação considerei mais relevantes – a relação intertextual entre texto verbal e visual, o conceito de fora-de-campo e a composição da “Mise-en-Scène”. Portanto, serão exploradas com mais detalhes. Trata-se de um enigma fotográfico, suportado também pela escolha do título: “A História Quem Conta é Você”, que leva o receptor a mergulhar na trama. Alguns fotógrafos utilizam a linguagem escrita para descrever sua obra ou para transmitir um sentido particular à cena. Exemplo: suponha que a sequência fosse intitulada como “Melancolia”. Provavelmente, ao analisar a obra, o receptor iria relacionar o sentido criado pela palavra à narrativa. Destarte que o quadro 1, apesar de um campo visual levemente menor, tem sua dimensão alterada, para não comprometer sua visualização como um todo. Sobre isso, Joly (2006, p.102) leciona que o próprio uso moldura leva o espectador a construir imaginariamente aquilo que não vê no campo visual, mas que, no entanto, o completa – o fora-de-campo. Já a “Mise-en-Scène” (Posição em Cena), para Ramos (2012, p.55), sugere o espaçamento entre os corpos e objetos dentro da cena. Segundo o autor, este termo, originário do teatro, surge com a progressiva valorização da figura do diretor, que passa a planejar de forma global a colocação do drama no espaço cênico. À vista disso, incorporam-se a cena: a parede (coloração branca); uma mesa e uma cadeira, ambas de madeira marfim (coloração: cinza) e uma modelo, que ao sentar sobre a cadeira, debruça-se sobre a mesa, inclinando-se para frente, com os braços cobrindo seu rosto – de modo que o interlocutor não consegue vê-lo. Para Cotton (2010, p.60), os sujeitos sem identificação numa cena têm competência de estimular a imaginação individual de cada observador. Além disso, o pé direito está colocado para frente (estático), enquanto o esquerdo está inclinado para trás, aproximando do pé da cadeira, dando a sensação de balanço. (Descrição referente ao quadro 1 - esquerda). O seu figurino é composto por uma echarpe verde (a priori uma saia), um casaco marrom, sapatos fechados, (coloração rosa) e cabelos presos em um coque (coloração escura). Por sua vez, o quadro 2 traz todos elementos do quadro 1 para a cena (com exceção da personagem). A indumentária antes utilizada pela modelo, na sequência é inserida sobre os objetos em cena – cadeira (echarpe), mesa (casaco) e sobre o piso (sapatos) – demonstrando que algo ocorreu entre os quadros. O enquadramento de ambos os quadros é fechado, revelando proximidade entre a mensagem fotográfica e seu receptor. O protagonismo da imagem, antes ocupado pela personagem, dá lugar ao espaço cênico. A ausência do corpo no quadro 2 tem o potencial de formular sentidos plurais. Por exemplo: ideia de libertação, transgressão, falta, saudade, invisibilidade e até a morte – como relatado por algumas pessoas após verem a imagem. A cenografia, apesar de ser lida pelo viés do espectador, pode, segundo Joly (2006, p.126), ser interpretada tendo como referência os usos sociais: relações íntimas, sociais e públicas. Desta forma, o corpo da personagem – curvado sobre a mesa (quadro 1) – pode transmitir distintos sentidos, como por exemplo: a ideia de cansaço, exaustão, desespero, entre outros. No caso destas sequências, seus espaços - isto é, as lacunas que o receptor terá de investigar - estão demarcados pelo uso dos contrastes, tanto em sentido simbólico quanto plástico. (A presença x ausência da personagem, completude x vazio, uso e não uso da moldura). Ao analisar o Pensamento Complexo de Edgar Morin (2007), a pesquisadora Anuschka Lemos (2017, p.54), traz uma análise sobre espaços dentro da imagem, que, no caso desta sequência, pode ser compreendida pelo Princípio Dialógico da teoria, que relaciona dois termos ao menos antagônicos e complementares entre si. Ou seja, um elemento só tem um sentido por causa do outro. Isto fica evidente ao compreender a fotografia, pois os quadros fotográficos são dependentes para a promoção de sentidos. Em outras palavras, o primeiro quadro não teria o mesmo sentido sem o segundo e vice-versa, eles contariam histórias distintas. Ressalta-se ainda, que uma simples mudança no planejamento espacial da imagem alteraria o resultado do produto final. Por exemplo, suponha que o quadro 1 fosse para o lugar do quadro 2, neste caso a “falta”, tornar-se-ia “presença e o “vazio”, “completude” – não o contrário, como proposto. Outrossim, à nível descritivo, poucos detalhes são revelados ao receptor. Isto é, elementos como: título, composição da cena, cenário, espaço, tempo, vestuário e identificação da personagem, não revelam características especificas de quem tirou a fotografia, porquê, onde e quando. São estes os espaços que devem ser preenchidos pelo próprio receptor. | |
CONSIDERAÇÕES | |
Quase um ano após conceber este ensaio, percebo como progredi ao longo deste período, tanto em nível técnico e teórico. Hoje, tenho a convicção sobre o papel que a Fotografia ocupa na minha vida, pois, a cada nova experimentação, meu olhar se renova. Meu objetivo iniciado com o projeto “Narrativas Visuais”, de produzir leituras simbólicas, ainda persiste, mas agora voltado para as experiências que os equipamentos analógicos podem proporcionar. Ao recordar as inúmeras interpretações da “História quem Conta é Você”, compreendo cada vez mais o papel transgressor da Fotografia, pelo seu potencial subjetivo de levar o indivíduo a refletir e sentir, de maneiras distintas, a partir de suas narrativas pessoais. Vozes caladas, muitas vezes, por um silêncio que ora derivam de experiências pessoais, despertando memórias íntimas, ora alertam para o medo – da opressão, da submissão, da invisibilidade e da morte (experiências relatadas por algumas pessoas ao verem a fotografia-artística). Em um mundo cego, cujos contrastes são tão evidentes, tem-se o desafio de incomodar, desafiar e promover a reflexão por meio de leituras abertas que fujam dos padrões descritivos/normativos. Ao produzir uma leitura imagética, faz-se emergente para além do “ver”, o “enxergar”, não apenas nas imagens estáticas, mas na sociedade como um todo. Conforme escrito por José Saramago (2007), “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.“ Ressalta-se também, a importância de trabalhos científicos desde a graduação, pois este estudo – ainda embrionário – pode servir como base para pesquisas da mesma natureza, ou de natureza próxima. Por fim, creio que os questionamentos que surgiram ao longo do caminho foram essenciais para a construção de meu olhar fotográfico. Assim, tenho a certeza de que este projeto trouxe-me uma maturidade, não apenas em relação à Linguagem Fotográfica, mas, sobretudo, em relação ao outro, especialmente pelas novas possibilidades de compreender o mundo a partir dos novos olhares. | |
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁICAS | |
BARTHES, Roland. A mensagem fotográfica. O óbvio e o obtuso, p. 11-25, 1990 BARTHES, Roland. Análise estrutural da narrativa. Petrópolis: Vozes, p. 31-47, 1971 COTTON, Charlotte. A fotografia como arte contemporânea. WMF Martins Fontes, 2010. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, p. 92, 1985. GOLDIN, Nan et al. The ballad of sexual dependency. New York: Aperture, 1986. KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. Ateliê Editorial, 1999. KOSSOY, Boris. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Ateliê Editorial, 2007. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Papirus editora, 2006. LEMOS, A. R. Da fotografia, seus espaços: articulações, dinâmicas e experiências. 1. ed. Curitiba: Appris, 2017. MICHALS, Duane; LIVINGSTONE, Marco (Ed.). Duane Michals: photographs, sequences, texts, 1958-1984. Museum of Modern Art, 1984. MORIN, Edgar; LISBOA, Eliane. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2007. SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. Editora Companhia das Letras, 1995. RAMOS, F Mise-en-scène realista: Renoir, Rivette e Michel Mourlet In: XIII Estudos de Cinema e Audiovisual SOCINE.1, 2012, v.1, p. 53-68㰀戀爀㸀㰀戀爀㸀刀唀䜀䜀䔀刀䤀Ⰰ 䴀愀爀椀愀 䌀愀爀漀氀椀渀愀 䐀甀瀀爀愀琀⸀ 䌀爀椀愀琀椀瘀椀搀愀搀攀 攀 瀀爀漀挀攀猀猀漀猀 搀攀 挀爀椀愀漀⸀ 倀爀漀ⴀ倀漀猀椀攀猀Ⰰ 瘀⸀ 㔀Ⰰ 渀⸀ ㈀Ⰰ 瀀⸀ ㈀㈀㤀ⴀ㈀㌀Ⰰ ㈀ ㌀⸀㰀戀爀㸀㰀戀爀㸀伀匀吀刀伀圀䔀刀Ⰰ 䘀愀礀最愀⸀ 䌀爀椀愀琀椀瘀椀搀愀搀攀 攀 瀀爀漀挀攀猀猀漀猀 搀攀 挀爀椀愀漀⸀ 㤀㜀㠀⸀㰀戀爀㸀㰀戀爀㸀ऀ㰀⼀琀搀㸀㰀⼀琀爀㸀㰀⼀琀愀戀氀攀㸀㰀⼀戀漀搀礀㸀㰀⼀栀琀洀氀㸀 |