José Marques de Melo











Entrevista com o professor José Marques de Melo


Realizada em duas etapas: em 26/02/2015 e 06/08/2015
Pesquisa e roteiro: Alice Melo
Entrevistadores: Ana Paula Goulart e Cláudio Ornellas
Transcrição: Hélio Cantimiro
Edição: Hélio Cantimiro e Cláudio Ornellas



Professor, diga por favor o seu nome, quando e onde nasceu.


Eu sou José Marques de Melo. Nasci no dia 15 de junho de 1943, na cidade alagoana de Palmeira dos Índios. Na verdade, eu só nasci nessa cidade – que é a cidade que teve como prefeito Graciliano Ramos –, mas eu me criei na cidade vizinha, que é a cidade da minha família e dos meus pais, Santana do Ipanema. Uma é chamada de “Princesa do Agreste”, a outra, de “Rainha do Sertão”. É uma disputa entre essas cidades do interior de Alagoas. Por que eu nasci em Palmeira do Índios? Porque meus pais haviam perdido dois outros filhos anteriormente, e minha avó, que era muito inteligente, disse: “Não, o próximo parto que você tiver, você vai para uma cidade que tenha maternidade”. Então, eu fui para Palmeira dos Índios porque tinha maternidade na cidade. Nem foi preciso ir para a maternidade, porque minha avó mesmo fez o parto da minha mãe, com as amigas dela, lá na casa em que eles moravam. Para vocês entenderem melhor essa questão do meu nascimento: pertenço a uma família conflagrada, porque meu pai é de origem daquelas cepas tradicionais lá do nordeste alagoano e minha avó é descendente de flamengos, portanto de holandeses, da velha tradição holandesa. Então os casamentos na família, de um modo geral, eles são feitos à revelia dos pais. Quando minha avó nasceu, ela já tinha um pretendente para ela. Foi avisado a ela, quando ela se criou um pouquinho, que ela ia se casar com fulano de tal. Então, esse meu nascimento nessa cidade se deu porque minha avó havia perdido o marido alguns anos antes e decidira que todos os primeiros filhos, os primogênitos, deveriam se chamar José. José era o nome do meu avô materno. Ele era uma figura muito interessante da região, chamava-se José Siciliano dos Santos Marques. Ele casou com a minha avó contrariando a lei da família. Nós somos Van der Ley. Ela já sabia com quem iria casar. Então, ela foi passar umas férias na cidade vizinha, chamada Águas Belas. A minha região, ali, é na fronteira de Alagoas com Pernambuco. E, em Águas Belas, nós temos outro ramo. Nós tínhamos Van der Leys em Santana do Ipanema, Palmeira dos Índios, mais ou menos naquela região toda ali. Ela encontrou um

rapaz lá, se engraçou dele, e ele dela. “Vou pedir sua mão em casamento.” Ela disse: “Não adianta você pedir minha mão em casamento, porque meus pais não vão conceder”. E explicou a situação. Ele disse: “Não, mas eu vou.” Ele foi. Em Águas Belas, ele era delegado de polícia, e a gente era dono de cartório. Então, o controle do aparelho de Estado do lado do Direito e do lado da força. Então ele foi à cidade onde minha avó morava. Chamava-se Poço das Trincheiras. O nome já indica bem isso. Quando Maurício de Nassau foi embora de Recife, os ancestrais dele não puderam voltar. Então eles se embrenharam pelo São Francisco e foram chegar nessa região. E lá se estabeleceram e se entrincheiraram para sobreviver. Então, foi em função disso que eu fui nascer em Palmeira dos Índios, porque eu seria o primeiro primogênito. Naquele tempo, não se sabia o sexo das crianças antes. Talvez, se eu fosse uma mulher, tivesse sido abandonada lá na cidade. Mas, com era homem, ia me chamar José. Então, minha avó fez o parto e me levou para a cidade de Santana do Ipanema para morar com os meus pais. Meu pai também, quando foi casar com a minha mãe, a minha avó não deu a mão a ele. Disse que ela não tinha filhos para casar com cachaceiros. Meu pai era boêmio. Ele é de uma família tradicional da cidade, foi uma das primeiras pessoas a ter carro, e ele se movimentava muito na cidade. Naquele tempo, fazia as suas farrinhas. E minha avó ficava indignada com isso. Então, eles vieram morar em São Paulo, depois voltaram para Palmeira dos Índios. Foi quando eu nasci. Então meu nascimento foi uma espécie de pacificação na família. E meu pai, ao voltar para a cidade, construiu uma casa vizinha à nossa, onde nós nos criamos, toda esse parentela dos Marques. Porque nós deveríamos nos chamar Van der Ley Marques. Mas acontece que a minha avó era uma mulher de muita fibra, e ela, quando casou, já casou sabendo que ia contrariar a família. Depois, os Van der Ley foram buscá-la e levaram o meu avô chamado José Siciliano para oferecer o cartório da cidade a ele, de Porto das Trincheiras. Nunca foi uma convivência harmoniosa. Então, ele morreu de enfarte. Depois, evidentemente, de já ter feito 11 filhos na minha avó. Deixou a minha avó com 11 crianças para cuidar. Ela atribuía a morte dele aos parentes, dizia que eles foram culpados do enfarte. Então, o que faz ela? Ela renuncia à parte que tinha na família. Porque todo esse problema dos casamentos consanguíneos era uma questão de não dividir a propriedade. Os Van der Ley viviam numa gleba muito grande. Então, o que ela faz? Depois que o marido morreu, ela enterrou, pegou os 11 filhos, mudou-se para a cidade vizinha, que chamava-se Santana do Ipanema, onde tinha parentes e amigos. E ali refez a vida dela. Ela montou uma espécie de empresa familiar: as filhas que bordavam e costuravam faziam roupas para fora, as outras que tinham prendas domésticas faziam salgadinhos, os menores iam vender na rua, os maiores trabalhavam no comércio. E assim ela recompôs a vida. Então, nós vivíamos nesse mundo dessa parentela lá em Santana do Ipanema.


Quais eram os nomes de seus pais?


Meu pai chamava-se Leuzinger Alves de Melo e minha mãe, Iveta Marques de Melo. Eles eram comerciantes. Ele comprava do produtor, vendia para o atravessador, para o distribuidor, todos os produtos da economia sertaneja: queijos, manteigas, tudo aquilo que era fabricado. E minha mãe era quem administrava a poupança da família, porque minha avó, eu disse para você já, não queria que eles se cassassem, e com razão, porque meu pai era muito boêmio. Tudo que ele obtinha, comprava. Então, eles vieram morar aqui em São Paulo, passaram um período aqui em São Paulo. Eu tinha uma tia que tinha uma fazenda de banana aqui no Vale do Ribeira. Então minha mãe veio com meu pai, mas minha mãe não se adaptou aqui. Achou que era muito frio, não ia dar certo. Era o tempo da guerra. Ela tinha medo de ir e voltar e o navio ser bombardeado. Então, quando voltaram, eles fizeram um pacto: meu pai ia deixar a boemia e ela ia administrar a poupança da família. Então, ela construiu uma casa. Essa casa que nós morávamos depois foi transformada em hotel, porque, na verdade, eles trabalhavam com o ramo hoteleiro. E a cidade não é como Salvador, mas toda cidade do Nordeste tem a Cidade Alta e a Cidade Baixa. Então, a cidade de Santana do Ipanema está instalada à margem do Rio Ipanema, que é um rio que nasce em Pernambuco e vai até o São Francisco, deságua no São Francisco. E minha mãe, quando casou, teve que morar com a sogra, mas elas nunca se deram muito bem. Então ela fez um pacto com o meu pai de construírem uma casa e, contrariando o desejo da família, eles não foram morar na parte baixa. Ela comprou um lote muito grande que ficava na parte alta, e ali é que nós fomos criados, nessa parte alta. Então, a questão que você perguntou, os nomes, são nomes tradicionais na região. Meu pai foi bisneto ou tataraneto do fundador da cidade – estancieiros, que foram para o sertão e lá se instalaram. E minha avó recompôs a vida dela com os filhos e tirou o nome da família. Foi ao cartório e todos os filhos que tinham Van der Ley suprimiram o nome. É por isso que nós somos Marques. Ela, na verdade, privilegiou o nome do meu avô. Só que recentemente eu fiz uma descoberta. Meu avô morreu e ninguém tinha notícia dele na família. E minha filha, que é muito curiosa, foi olhar os álbuns da família: “Mas tem todo mundo nesses álbuns e não tem o seu avô”. E perguntava para as minhas tias, que já eram senhoras de idade avançada, e elas se calavam e não queriam comentar. Aí nós achamos que havia algum mistério, porque tinha retrato de todo mundo, menos do meu avô. E nós perguntávamos para um, para outro: “Você conheceu?”. “Conheci. Não sei descrever a fisionomia dele.” Então, recentemente, eu encontrei um parente nosso que encontrou, lá em Olinda – é um historiador lá de Alagoas –, uma pessoa que havia ido ao enterro do meu avô e perguntou quais eram as feições dele. Ele disse: “Posso dizer? Não vai ter nenhum problema?”. “Não vai ter.” “Ele era moreno.” Então, o problema era que meu avô era mulato. Era uma discriminação racial, nós todos somos louros. E minha filha, que é muito perspicaz – ela é formada pela USP em farmácia e bioquímica –,foi verificando os tipos da nossa família: “Olha, aquele fulano que é meu primo e tem os lábios grossos”. E foi vendo certas características raciais na família, dessa mistura. Então é isso que caracterizou o fato de nós não termos o nome da família. Todos nós somos Marques de Melo. Só um lado da família, o outro não.



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