Manuel Chaparro














Entrevista com o professor Manuel Chaparro


Realizada em 19 de novembro de 2015
Pesquisa e roteiro: Alice Melo
Entrevistadores: Ana Paula Goulart e Cláudio Ornellas
Transcrição: Hélio Cantimiro
Edição: Cláudio Ornellas



Diga, por favor, seu nome completo, o local e a data do seu nascimento.


Manuel Carlos da Conceição Chaparro. Eu nasci em uma vila chamada Tramagal. Pertence ao conselho – e a palavra “conselho”, aqui, significa município – de Abrantes, aquela cidade que se diz que tudo era igual, os quartéis eram iguais, iguais ao de dantes etc. Bem, uma brincadeira. Mas isso foi uma coisa fortuita, porque o meu pai era ferroviário e com frequência era transferido de estação para estação, e os filhos iam nascendo: uns aqui, outros ali. Então, na realidade, eu não tenho nenhum sentimento, nenhum apego a essa cidade de origem. A cidade a que eu sentimentalmente estou ligado é Vila Franca de Xira, onde vivi a minha adolescência, onde acabei tomando rumo e onde tenho grandes amigos. Culturalmente, eu sou um vila-franquense. Fica ali pertinho de Lisboa, em uma região chamada Ribatejo. Fica a 20, 25 km de Lisboa no sentido norte, na autoestrada Lisboa-Porto.


E como o senhor veio parar em São Paulo?

Bem, eu me tornei jornalista, surpreendentemente jornalista... É uma história comprida.


Em Portugal?

Sim.


Antes de contá-la, diga o nome dos seus pais.

Gabriel Marques Chaparro e Catarina da Conceição Chaparro, os dois alentejanos, de famílias alentejanas. E eu mesmo me sinto alentejano. Na realidade, as minhas raízes, as costelas, são todas alentejanas. Fiz, certa vez, uma viagem a Portugal só para ver se me sentia alentejano. E me senti alentejano. Passei uma temporada lá e me identifiquei. É um povo muito interessante, muito inteligente, filosófico. É muito interessante o alentejano.


Qual foi a sua formação, onde o senhor estudou?

Eu era filho de um operário. Em Portugal, nos tempos de Salazar, não havia a mínima possibilidade de você imaginar que o filho de um operário pudesse sequer fazer um curso secundário. Eu nunca fiz o curso secundário, nunca fiz. Mas eu era um menino esperto e tal, gostava de escrever. Tem uma historinha que está no vídeo do meu blog: eu comecei a me relacionar com o texto devia ter oito anos, nove anos, porque a molecada me pedia para escrever os bilhetinhos para as meninas. Eram escolas femininas e masculinas, eram separadas mas vizinhas. Era procurado e escrevia os bilhetinhos de amor das iniciações amorosas da garotada. E eu, quando estava terminando o curso primário, eram quatro anos, curso primário antigo, o professor chamou meu pai e disse: “Olha, o senhor precisa fazer o que puder para que ele continue estudar”. E o meu pai me matriculou em uma escola comercial em Lisboa, eu seria guarda-livros, contador. Não pagava passagem – ele era ferroviário –, dava para encarar. Mas eu adoeci, tive uma doença óssea, que eu soube muito mais tarde que era tuberculose óssea. Não havia tratamento para a tuberculose óssea. Havia já a penicilina, mas a penicilina era toda consumida pelo exército americano na época. A solução era o quê? Era você controlar a doença, saber se o bacilo tinha se instalado em mais alguma parte do corpo ou não e, no caso da tuberculose óssea, fazer a imobilização, para que não houvesse dor. O bacilo se instalou na cabeça do fêmur. Isso eu sei porque pesquisei depois. Eu voltei lá, vi o meu prontuário. Tenho o meu prontuário até hoje. Se instalou na cabeça do fêmur, e o tratamento era esse: esperar que a infecção regredisse. Fiquei quatro anos de cama, engessado, entre os 12 e os 16 anos. Eu cresci ali. Não é só por isso que eu sou baixinho, a família toda é baixinha. Mas isso deve ter ajudado também. E esses quatro anos foram decisivos. Quer dizer, ao fim dos quatro anos, o que aconteceu? A cabeça do fêmur tinha desaparecido, o bacilo comeu a cabeça do fêmur. Por isso a perna é mais curta. Aí os caras fizeram uma cirurgia, fizeram um enxerto ósseo, virou um osso só. Por isso eu não tenho articulação em cima. Por que esse tempo foi o período mais importante? Porque eu li uma biblioteca nesses quatro anos. O hospital tinha uma biblioteca boa, literariamente bem recheada.


O senhor ficou no hospital por quatro anos seguidos?

Fiquei no hospital. Entrei com 12 anos, não me lembro o dia, mas saí quatro anos depois no mesmo dia do mesmo mês. Foram quatro anos precisos. Coincidência, claro. E eu li a biblioteca, e fiz um jornal lá – durou um ano –, eu e mais dois colegas, um jornal semanal, rigorosamente semanal. A gente tinha uma noção de periodicidade intuitiva, sei lá. Tinha um dia certo para circular. Era todo feito à mão, diagramado. Era eu que fazia isso. Tinha um desenho, títulos e tal. Ficava uma semana inteira percorrendo o hospital, porque todos tinham doenças de internação prolongada: três, quatro anos, dois anos, uns sofrendo da coluna, outros das pernas. Tudo doença óssea. O jornal começou a incomodar as freiras e, ao fim de um ano, elas separaram a equipe, fragmentaram a equipe, acabou o jornal.


Qual era a pauta desse jornal?

Ele nasceu para ser um jornal de bom humor. Eu sou um cara bem-humorado, acho que tive influência nisso. Até o título era uma piada, o título era O Escarumba. “Escarumba”, em Portugal, é uma palavra que, na época, era muito conhecida, muito usada. Porque havia muita carvoaria, consumia-se muito carvão para aquecimento, principalmente aquecimento, e para cozinhar. Cozinhava-se muito em fogareiros de carvão. As carvoarias eram uma coisa presente nas cidades, uma marca forte na vida das vilas, aldeias etc. E o trabalhador da carvoaria era um sujeito que andava sempre sujo, por causa do carvão, e era chamado “escarumba” por causa disso, sei lá por quê – era o escarumba –, a situação de sujeira dele. Mas o jornal ficou sério, foi ficando sério. A gente começou a falar de problemas, a discutir questões. A gente entrando na adolescência, lendo livros... E o jornal começou a incomodar as freiras, e elas, ao fim de um ano, separaram a equipe: foi cada um para um enfermaria, acabou o jornal. Mas foi interessante.


Ainda tem exemplares desses jornais?

Alguns números. Então, fiz o primeiro jornal lá. Mas nunca foi uma hipótese na minha cabeça, ser jornalista. Era uma coisa inviável em Portugal. Jornalista era profissão de doutor – doutor era o cara rico. Eu não tinha nem chance. Eu fui para o curso comercial porque o professor insistiu muito com o meu pai.



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