Belém, 5 de setembro de 2019
“A fraqueza da mídia coloca as sociedades democráticas em risco. No entanto, estou convencido de que, diante de todas as adversidades, podemos e devemos lutar [...] Quero aproveitar este fórum – a principal reunião anual dos professores e pesquisadores de Comunicação no Brasil – para apelar a todos vocês, meus queridos colegas: todos nós, vocês e eu, temos uma responsabilidade.” Com este chamado, o espanhol Ramón Salaverría, da Universidade de Navarra, abriu ontem (04/09) o 42º Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA) em Belém.
O Ciclo de Estudos é o evento central do congresso nacional da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), cujo tema deste ano é “Fluxos comunicacionais e crise da democracia”. Além da conferência de abertura com Salaverría, moderada por Giovandro Ferreira (UFBA), presidente da Intercom, a programação do Ciclo foi composta por três mesas em que pesquisadores debateram ramificações do tema.
Salaverría iniciou sua conferência expondo a maneira como os novos fluxos comunicacionais – especificamente, as redes sociais digitais – impactam as decisões das pessoas, das organizações e dos governos com a ilusão de que a desmediação significa liberdade. “Muitas das informações que circulam nas redes sociais, e na rede em geral, são falsas. E, mesmo quando são reais, respondem a interesses ocultos”, afirmou, após expor dados de exclusão de conteúdos e contas de usuários pelo Facebook e Twitter. “O que foi chamado de ágora global, onde todos têm a palavra e podem ser ouvidos, é na realidade um fórum com regras desiguais e sujeito a manipulações constantes e inadvertidas. Ao contrário do que alguns afirmam, as redes não são um espaço de deliberação livre, capaz de substituir sistemas de representação democrática. Esse é um truque que está sendo usado por todos os tipos de populistas para desacreditar instituições democráticas essenciais consolidadas – o parlamento, a universidade, a mídia”, explicou, acrescentando que, “para os populistas, as redes sociais são a comunicação sem filtros; o problema é que ela tem muita nicotina”.
O professor especialista em Jornalismo Digital, de Navarra (Espanha), seguiu analisando as mudanças na comunicação pública geradas pelas redes digitais e a consequente perda de influência e credibilidade do jornalismo. Segundo ele, além dos fatores sociais, políticos e tecnológicos que acarretaram essa crise, há uma responsabilidade da própria imprensa tradicional, que, tirando algumas exceções, não soube se reinventar para transformar seu público em comunidade.
A partir de tal diagnóstico, Salaverría conclamou a comunidade acadêmica a assumir uma posição mais ativa na busca por soluções: “Como observadores atentos da mídia e formadores de futuros comunicadores, temos a obrigação moral de buscar alternativas e propor soluções para os problemas que afligem o jornalismo”. E apresentou sete ações que podem ser encabeçadas pelos pesquisadores: novos modelos de produto de comunicação; novos modelos de negócio; novos modelos de organização profissional nas redações; novos modelos para integrar a robotização ao trabalho dos jornalistas; novos modelos de jornalismo de dados e informações imersivas; novos modelos de gerenciamento; e novos sistemas de análise de audiências.
“O jornalismo está em crise e, talvez por esse motivo, o mesmo acontece com a democracia. Mas resisto em pensar que os problemas não têm solução. Podem me chamar de iludido, mas acho que, no século XXI, há espaço para o jornalismo independente, que não é ditado pelos interesses ideológicos de esquerda ou direita. Um jornalismo capaz de suportar pressões econômicas, um jornalismo que aborda questões importantes para a cidadania, e não apenas aquelas que geram tráfego. Um jornalismo vivo, de altura ética, a serviço da sociedade e assegurando os interesses dos cidadãos”, concluiu.
Após a conferência de Ramón Salaverría, a primeira mesa do Ciclo abordou as mudanças nas instituições paradigmáticas, tais como comunicação, educação e família, com contribuições de Ruben George Oliven (UFRGS), Karla Patriota (UFPE), Ismar de Oliveira Soares (USP) e José Maia Bezerra Neto (UFPA).
Já a crise da discursividade e as disputas por narrativas geradas pelos novos fluxos comunicacionais foram debatidas na segunda mesa, que teve a participação de Antonio Fausto Neto (Unisinos), Ana Cristina Suzina (Collège d'Études Mondiales), Juliana Doretto (FAM) e André Luiz Martins Lemos (UFBA). “A internet foi transformada em campo de batalha pelo discurso político. Trata-se de uma modalidade discursiva que tenta operar diretamente com a sociedade, mas tendo como objeto de sua interpretação as instâncias midiáticas, que se transformam em inimigas”, afirmou o professor Fausto Neto. “Naturalizamos esse processo com anedotas: ‘O que o presidente falou hoje?’. Talvez devêssemos deslocar nosso trabalho investigativo desse âmbito de anedotização e buscar respostas para processos interpretativos”, completou.
As redes sociais digitais foram abordadas mais especificamente na terceira e última mesa do Ciclo de Estudos, iniciada com Helena Martins, do Coletivo Intervozes, expondo as propostas da organização para regulação dessas redes no Brasil. “Não cabe às plataformas de redes sociais o papel de gatekeeper, determinando o que pode ou não ser publicado nelas”, afirmou, acrescentando que a circulação de conteúdo, a prevenção de crimes praticados nas redes e privacidade de dados devem estar no centro de uma eventual regulação. Na visão do Coletivo Intervozes, “a autorregulação não é suficiente, pois as empresas de mídia digital já têm muito poder”, sendo o modelo de co-regulação o mais adequado para o caso brasileiro. Em seguida, o português Joaquim Paulo Serra, professor da Universidade da Beira Interior e presidente da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (Sopcom), enriqueceu o debate com um breve panorama da regulação de redes sociais no mundo – especificamente, Estados Unidos e Europa.
Ainda na mesa 3, Juliano Mendonça Domingues da Silva (Unicap/Intercom) expôs dados sobre a evolução da democracia ao longo de sua história, mostrando que ela “sempre esteve em crise”. “A solução para a crise atual da democracia é mais democracia”, disse. “O impacto das redes sociais tem provocado uma disfunção dos processos democráticos, e isso só se resolve com a melhoria das instituições democráticas, hoje alvo de desconfiança.” Então, o professor apresentou o crescimento do índice de percepção equivocada de informações, medida pelo Instituto Ipsos. “Quanto maior o índice de percepção equivocada, maior é a chance da fake news perpetuar. E o Brasil ocupa o segundo lugar em percepção equivocada, atrás apenas da África do Sul”, revelou.
O Ciclo foi encerrado pelo último palestrante da mesa 3, Thomas Tufte, da Loughborough University London, cuja fala destacou a dramatização dos movimentos sociais, potencializada pela combinação da mobilização nas ruas com o uso das redes sociais. “O encolhimento do espaço para a sociedade civil efetuado no governo Bolsonaro é uma tendência global. A cidadania ativista está ameaçada, e estudar a dramaturgia social nos permite entender o futuro da cidadania”, disse o pesquisador inglês.
O 42º Congresso Brasileiro de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom 2019) segue até 7 de setembro na UFPA, em Belém.
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