Entrevista com a professora Maria Immacolata Vassallo de Lopes
Realizada em 7 de agosto de 2015
Pesquisa e roteiro: Alice Melo
Entrevistadores: Ana Paula Goulart e Cláudio Ornellas
Transcrição: Helio Cantimiro
Edição: Cláudio Ornellas
Diga, por favor, seu nome completo, o local e sua data de nascimento.
Meu nome é Maria Immacolata Vassallo de Lopes. Eu sou italiana, sou originária da Itália, uma pequena cidade chamada Laurito, província de Salerno, no sul da Itália. Eu sou de uma família de imigrantes, eu sou imigrante. A minha infância foi lá. Cheguei com sete anos, no pós-guerra. Meu pai já estava aqui. Ele se estabeleceu e mandou chamar a família, que era como se fazia. Eu sou a caçula de uma família de três irmãos. Infelizmente, somos eu e minha irmã hoje. Meus pais também são falecidos. Nós ficamos, que dizer, nos adaptamos no Brasil. Eu já era alfabetizada, mas aí eu voltei, então, a ter a formação desde o primeiro ano do primário, como se dizia. Isso foi em um bairro, como não podia deixar de ser – isso tudo é bem na curva normal –, que é Bela Vista, a gente chama Bela Vista – hoje é chamado mais Bixiga –, onde ficava realmente reunida a comunidade italiana. Todas aquelas questões relativas a essa comunidade, você tem ajuda, você tem o pertencimento, o acolhimento, os apoios. Quando entra a televisão, alguns tinham televisão, outros não. Todos corriam para assistir à televisão. O que era o rádio, a saudade da terra. Eu não tenho sotaque, acho que porque fui alfabetizada novamente, na língua portuguesa.
Como se chamavam os seus pais?
Meu pai, Francesco Vassallo; minha mãe, Caterina Panullo Vassallo. Meu pai foi à guerra, serviu o Exército, vamos dizer assim, na Líbia, que é onde a Itália tinha coisas. Quando ele voltou, não havia condições econômicas mínimas, a Itália estava arrasada. Então era para engrossar aquela corrente da emigração. Mas o meu pai tinha terras, trabalhava essas terras. Quer dizer, era um pequeno proprietário de terra. Que, aliás, foi perdida: tantas dívidas que o que restava era vender. Inclusive, endividar-se e emigrar endividado, para que, de outro país, se tentasse saldar aquelas dívidas. Minha mãe, interessante isso, já não era de trabalho na terra. Ela era já urbana, de uma família em que os irmãos, o pai dela, o meu avô, tinham ofícios. Mas que ofícios? Ofício de alfaiate, de sapateiro. Era uma família muito grande. Na minha infância, da família do meu pai, já não restava ninguém, porque meus avós paternos já tinham falecido e duas irmãs do meu pai já tinham emigrado. Eu fui, nesse tempo, criada pela minha mãe – pela ausência do meu pai – e pela família da minha mãe. Como a gente estava falando das competências, vamos dizer assim, artesanais, a minha mãe fazia muito bem tricô e crochê. Tinha uma irmã, que era uma bordadeira de primeira linha. É interessante que elas eram alfabetizadas, meu pai também. Meu pai sabia ler e escrever, mas minha muito mais já. Era uma coisa avançada. Eu digo essas coisas porque aqui no Brasil, tentando fazer analogias, é bastante parecido com as pessoas que vêm do interior para São Paulo. Se bem que é o mesmo país. Nós emigramos para um outro país. Para mim, era como se fosse uma aventura muito positiva: “Vou para outro país, um lugar diferente”. Para o meu irmão, mais ou menos, porque ele já estava no secundário. Terminou o colegial, não ingressou na faculdade, não quis continuar trabalhando. O grande problema foi com minha irmã, porque ela já era professora primária formada, e isso na Itália, nessa época dos anos 1950, era muito importante. Ela, ao se transferir para outro país, perdeu tudo. Ela não podia, aqui, exercer. Não pôde ser professora, inclusive pela língua, e ela sofreu muito, muito mesmo. Houve um momento em que parecia que a família ia ficar muito abalada, porque, possivelmente, a minha irmã retornaria, voltaria. Sabe, nós somos de família italiana bastante próxima, com laços muito fortes, principalmente do lado materno. Tinha gente já da família aqui, nessa comunidade. Isso tudo, na Rua Major Diogo. Isso é também uma coisa interessante das minhas primeiras lembranças. Essa era a rua do Teatro Brasileiro de Comédia, do TBC, e era, portanto, onde havia aquelas peças. A gente via os atores e atrizes, que já apareciam na televisão, era alguma coisa muito importante. Havia também nessa mesma rua – não sei por quê, acho que porque era bonita – gravações de filmes. Várias vezes, cenas dos filmes de Mazzaropi tinham sido feitas ali. Portanto, era uma rua onde circulavam atores e atrizes, uma vida noturna, inclusive, bem interessante. Naquele momento, eu não tinha essa consciência, mas depois, porque me voltei para a comunicação, essa questão do teatro em São Paulo, do cinema em São Paulo, da televisão em São Paulo, isso tudo passou a ter importância. Eu me lembro com outra memória, vamos dizer assim, uma memória recente que me resgata essa existência com não apenas, vamos dizer assim, saudade, mas de uma maneira muito positiva.
Você veio com quantos anos?
Sete anos. Aqui, meu pai passou a trabalhar em construção, já que lá ele trabalhava na terra. Depois, ele logo se aposentou, passou a ajudar meu irmão, que abriu um negócio no setor de papelaria, uma pequena empresa. Média empresa. Chegou a ser um empresário. Enquanto isso, eu só estudava: primário, secundário. Minha irmã passou a fazer uma carreira em um banco, chegou a ser gerente. Quer dizer, o Brasil serviu para uma certa ascensão socioeconômica. Meu pai, minha mãe, meu irmão compraram apartamento, o primeiro carro, um fusquinha. Tinha esse costume de levar a uma igreja, que o padre benzia. Então, tinha um status, alguma coisa que realmente modificava demais a vida da pessoa, mais talvez até do que ter uma casa própria, era ter carro. Eu fiz o primário em escola pública. O secundário, como eu precisava trabalhar, aí já fui fazer um curso técnico – curso técnico que correspondia ao colegial – de secretariado. Porque eu me formei secretária, do que eu lembro muito bem, hoje eu digito com todos os dedos, por causa da datilografia. Mas comecei a me desempenhar muito bem nos estudos. Apesar de ser escola particular, eu ganhava bolsa todos os anos – essa questão de me dedicar para não dar despesa para a família. Eu fiz o secundário, os sete anos, com bolsa da própria escola. Essa escola, Colégio Comercial Frederico Ozanam, ficava no começo da Rua Augusta. Era uma rede, tinha coisas na Mooca e também em Santa Cecília. Depois, entrando na faculdade, eu me tornei professora dessa escola. Eu dava aula ali de manhã, à noite, para curso técnico. Depois eu entrei na Maria Antônia, ainda era Maria Antônia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Eu fiz os quatro anos, me formei, e dava aula nessa escola. Depois fiz concurso para escola pública e, ao começar a dar aula em escola pública, também comecei a dar aula em faculdade particular.