Entrevista com o professor Gaudêncio Torquato
Realizada em 6 de agosto de 2015
Pesquisa e roteiro: Alice Melo
Entrevistadores: Ana Paula Goulart e Cláudio Ornellas
Transcrição: Camila Rouças
Edição: Cláudio Ornellas
Poderia nos dizer onde e quando nasceu?
Eu nasci numa cidadezinha do extremo oeste do Rio Grande do Norte chamada Luís Gomes, em cima de uma serra, a 750 metros de altura, na fronteira do Rio Grande do Norte com Paraíba e Ceará. Nasci em 8 de abril de 1945. Meus pais se chamam Gaudêncio Torquato do Rego, ele me deu seu nome com o Francisco antes. E o nome da minha mãe é Francisca Nunes Torquato. Francisco da minha mãe, Gaudêncio do meu pai.
Viveu na cidade até quando?
Passei lá a infância e parte da adolescência. Aos dez anos eu fui para o seminário de padres holandeses em Mossoró, no Rio Grande do Norte, era o melhor instituto de ensino da região, que incluía Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará. Era realmente um instituto de excelência, porque era dirigido e desenvolvido pelos padres holandeses, muito cultos, cada padre falava oito, nove, dez línguas, cada um numa especialidade, química, física, engenharia, enfim, os padres eram muito hábeis. E lá eu passei, nesse seminário de padres holandeses, dos dez aos 15 anos, passando mais um ano depois num seminário em João Pessoa, na Paraíba. Então, eu passei o ginásio todo estudando grego, estudando latim, filosofia, uma formação humanística excelente nesse primeiro estágio da minha vida, oportunidade que eu tive de ler muito. Em todas as ocasiões, inclusive nos momentos de folga, eu ia para a biblioteca, li quase toda a biblioteca do seminário. E essa formação humanística, que eu considero uma das melhores que eu já tive, foi mais importante para mim do que o próprio curso superior. Com essa bagagem humanística hoje faço o que faço, sendo um analista político, um consultor político. Eu saí para Recife, saí do seminário. Por que eu fui para o seminário? Preciso dizer. Porque minha mãe achava que eu devia ser padre, era uma família muito grande, meu pai casou duas vezes, a primeira esposa dele teve 11 filhos, ele casou com a segunda mulher, minha mãe, prima da primeira, teve mais 11. Ele teve 22 filhos e, desses 22, evidentemente, eu fui o primeiro da segunda série de família, era o mais velho da Dona Chiquita, minha mãe, então fui escolhido: “Você vai ser padre, já que tem três médicos aqui, tem engenheiro ali”. Não deu certo, de forma que eu saí para o Recife, fui estudar no Americano Batista, onde fiz os três anos do colegial. Depois do colegial, fiz Jornalismo na Pontifícia Universidade Católica, PUC.
Quando fez a faculdade?
De 1960 até 1964, quando conheci o José Marques de Melo, em Recife, nessa época. Ele era auxiliar do Luiz Beltrão, ele até foi meu professor, o José Marques, lá na Católica. Eu comecei a minha vida jornalística muito cedo, porque mesmo estudando na Católica eu já frequentava as redações. Comecei na sucursal do Jornal do Brasil em Recife, de maneira muito sortuda, porque quando eu fui pedir estágio no jornal, fui lá de maneira muito simples, manga de camisa e tal, bem vestido, mas de maneira simples, não estava preparado para uma tarefa jornalística, cheguei para pedir estágio, muito encabulado. O chefe da sucursal, Paulo Rehder, jornalista experiente do Rio de Janeiro, disse: “Garoto, já que você quer fazer jornal, pega esse montão de laudas e vai até a Sudene entrevistar os governadores do Nordeste sobre reforma agrária”. Imagine isso em 1964, na época da redentora, os anos de chumbo começaram ali, a ditadura começava ali, eu não sabia nem onde era a Sudene. “Você descobre onde é, lá na Praça Dantas Barreto”. Subi para a reunião da Sudene, que já havia sido iniciada, era uma reunião mensal com todos os governadores do Nordeste mais os conselheiros representantes dos ministérios, enfim, uma mesa circular. Eu cheguei lá, “Você é o quê?”, “Sou jornalista do Jornal do Brasil”, “Vai para aquele cercadinho ali, os jornalistas estão lá”. Fiquei no meio dos jornalistas, ninguém me conhecia, olhando pra mim de maneira estranha. “Que bicho é esse que veio aqui? Chegando aqui agora e tal”. E eu tinha que entrevistar, como é que eu vou entrevistar? Os governadores estavam todos sentados em volta da mesa. Eu não tive dúvida, comecei a fazer a tarefa que me deram, comecei a escrever perguntando, me ajoelhando ao lado de cada governador, “Governador, eu sou do Jornal do Brasil, por favor, eu tenho uma pergunta para fazer para o senhor”, “Qual é a pergunta?”, “O senhor é a favor ou é contra a reforma agrária?”, e assim eu fui correndo toda a mesa. No final da reunião ainda faltavam dois governadores, inclusive um do meu estado, que era Aluízio Alves, e o outro era o governador de Pernambuco, Paulo Guerra. Peguei os dois no corredor, enfim, entrevistei todos os governadores do Nordeste, inclusive o interventor em Fernando de Noronha. Todos eles a favor da reforma agrária, engraçado: “Somos a favor da reforma agrária”, a favor no que era permitido, assim, pela ditadura. Enfim, voltei para a sucursal. “Você faça um telegrama aí”, fui fazer o telegrama, mostrando que os governadores do Nordeste eram a favor da reforma agrária. Depois de algumas tentativas, ele sempre rasgava e não dizia por que estava ruim, eu acertei, agora vai deixar na italcable, naquela época não tinha internet, não tinha nada, fomos deixar na italcable. Passei o telegrama. Isso foi numa sexta-feira, a reunião. Sábado, dia seguinte, não tinha nada no jornal, fiquei meio frustrado e tal. No domingo pela manhã, eu morava na casa do estudante, saí para o centro da cidade, para a banca de José do Patrocínio, e qual não foi minha surpresa em ver que minha primeira matéria no jornalismo abriu manchete de oito colunas no Jornal do Brasil, que era o jornal mais importante da época. Jornal bonito, bem diagramado, cuja redação era tocada pelo Alberto Dines, que mandava para a gente livretos sobre técnicas do lead, o Dines foi um excelente chefe de redação. E então minha primeira matéria abriu a primeira página do Jornal do Brasil: “Nordeste apoia a reforma agrária”. Evidentemente eu fui logo aceito como estagiário no jornal, entrei no jornalismo com o pé direito. Depois, mesmo na faculdade, trabalhei na sucursal do Correio da Manhã, em Recife, jornal em que na época trabalhavam Márcio Moreira Alves, Hermano Alves e outros grandes jornalistas da época. E depois fui chamado pra trabalhar na Folha de S. Paulo. Fiquei na Folha e no Estado e na época me chamaram também para o Jornal do Commercio, de Pernambuco, jornal onde eu consegui o Prêmio Esso Nacional de Jornalismo, em 1966, com 21 anos, o maior prêmio do jornalismo brasileiro. Prêmio Esso de Informação Científica, com uma série de sete reportagens intitulada “Barriga d’Água, a Doença que Mata na Cura”. Então, eu tive essa felicidade de ter esse prêmio em 1966, matéria no Jornal do Brasil, Correio da Manhã, ser correspondente do Correio da Manhã em Recife, de forma que diante dessa minha iniciante carreira promissora, eu acabei sendo convidado por Calazans Fernandes para vir a São Paulo. Nós fazíamos no Nordeste um suplemento especial da Folha pela sucursal, experiência muito bem-sucedida com os cadernos no Nordeste. Diante do sucesso que tivemos, o Octavio Frias Oliveira convidou o Calazans para fazer suplemento em São Paulo. E um dia eu chego na sucursal, ele me diz: “Torquato – me chamava de Torquato – você quer ir a São Paulo?”, foi um convite. “Tem 72 horas pra você decidir”, eu digo: “Não, eu topo na hora”. Eu ganhava bem em Recife, eu trabalhava em três jornais, nessa época eu podia trabalhar em três jornais, ganhava bem. Eu decidi então aceitar o convite para vir a São Paulo em 1967, chegamos aqui em maio de 1967 pra fazer os suplementos especiais, Calazans Fernandes, chefe da sucursal, eu e Manuel Chaparro. Chaparro era na época assessor de imprensa da Sudene, quando João Gonçalves de Souza dirigia a Sudene. Chaparro, um excelente jornalista que havia feito uma experiência jornalística de primeira qualidade no Rio Grande do Norte com o jornal A Ordem, vindo ao Brasil trazido por Dom Eugenio Sales, sendo lá em Portugal pertencendo à JOC, Juventude Operária Católica, um jornalista muito ativo. Então, Calazans, Chaparro e eu viemos para São Paulo em maio de 1967, um frio danado aqui na cidade, uma cidade muito estranha, muito grande e tal, e eu ficava impressionado com o número de orientais que eu via: “Olha aquele ali, olha aquele”, nunca vi tanto japonês na vida. E de lá foi que fizemos uma experiência extraordinária, fizemos os suplementos especiais de 1967 a início de 1970.