Intercom assina carta conjunta à Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial do Senado

10 de julho de 2024

A Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) se soma à organizações e grupos de Pesquisa em Comunicação do país na assinatura de uma carta conjunta destinada à Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial do Senado que votará o relatório do Projeto de Lei No 2.338/2023, que regula o tema no país.

No texto apresentado, questões sobre o trabalho da área estão presentes, mas há ainda a necessidade de clareza e profundidade sobre como se dará a proteção aos(às) trabalhadores(as) envolvidos no desenvolvimento de sistemas de IA (Inteligência Artificial), frequentemente expostos à situações precárias e sem acesso a direitos.

Como forma de luta e manifestação, foi elaborada uma carta aos senadores defendendo e cobrando a inclusão deste tema no texto, para assegurar melhores condições aos profissionais executores deste serviço. As assinaturas foram coletadas em regime de urgência, de forma online.

Confira a carta na íntegra:

“CARTA ÀS E AOS SENADORES DA CTIA

PL de IA deve tratar também dos riscos e direitos de quem produz, treina e alimenta essas tecnologias

O grupo signatário abaixo vem dirigir-se aos integrantes da Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial para ressaltar tema ainda ausente no texto do PL 2.338/2023. Saudamos a importância da análise pelo Senado Federal e pela CTIA do Projeto de Lei No 2.338 de 2023, que cria um marco legal para a Inteligência Artificial no Brasil. O relatório do senador Eduardo Gomes (PL-TO) avançou e apontou para a fixação de diretrizes e obrigações fundamentais para o desenvolvimento e uso dos sistemas de Inteligência Artificial, incluindo medidas para mitigar riscos e assegurar direitos aos vários grupos afetados, especialmente aqueles mais vulneráveis.

O texto tem ensejado intensos debates, com forte e perigoso lobby de setores empresariais contrários ao estabelecimento de necessárias regras para evitar efeitos prejudiciais da implementação e adoção dessas tecnologias. Esta ofensiva das empresas já tem produzido efeitos, com flexibilizações de obrigações fundamentais para garantir o uso responsável e que mitigue consequências danosas para a população. Por isso, é mais do que urgente que a sociedade se mobilize em torno do tema e que o Senado continue persistente em sua autonomia, determinado a aprovar uma nova lei sobre tema da maior relevância para o presente e o futuro de desenvolvimento e bem-estar da população brasileira. Uma legislação soberana, que considere as oportunidades, mitigando riscos e respeitando direitos, colocará o Brasil em posição favorável na cadeia produtiva da economia digital.

Nas últimas discussões na Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial (CTIA) no Senado Federal, o relator, senador Eduardo Gomes, incorporou emendas para incluir um tema até então pouco tratado entre as medidas: o do trabalho. O acréscimo é de extrema importância, uma vez que o impacto da IA nas relações laborais tem ensejado preocupações em todo o mundo. Reiteramos a importância das propostas de proteção de trabalhadores contra os efeitos prejudiciais da implementação dos sistemas de IA.

Sobretudo, faz-se necessário incluir a avaliação de riscos por órgãos competentes, vinculados a instituições que regem a saúde e o direito do trabalho, bem como adotar medidas de transparência de gestão e proteção dos trabalhadores com a obrigação de negociar a implementação desses sistemas junto a entidades representativas dos trabalhadores.

Contudo, há ainda um tema chave ausente do PL: os direitos de trabalhadores envolvidos no desenvolvimento da Inteligência Artificial. Pesquisas acadêmicas têm demonstrado como este processo envolve uma quantidade enorme de pessoas em todas as fases do ciclo de produção dos sistemas, da coleta e anotação de dados à revisão e aperfeiçoamento dos modelos. Embora se trate de um processo essencial ao aprendizado de máquinas, esse trabalho é externalizado principalmente para plataformas digitais ou para redes especializadas de terceirização, submetendo os trabalhadores a desproteção trabalhista, bem como a formas de vigilância violadoras dos direitos à privacidade e à proteção dos dados pessoais Infelizmente, estudos têm revelado como tais trabalhadores têm experimentado condições precárias, especialmente nos países do Sul Global, incluindo o Brasil. Um estudo mostrou que 33% dos trabalhadores neste segmento têm nessas plataformas sua principal fonte de renda; 66% contam com uma quantia mínima de dinheiro a ser obtida nas plataformas para pagar suas contas e possuem rendimento médio 31,5% menor do que a população brasileira.

Outros estudos revelaram que estes trabalhadores sofrem não somente com baixos pagamentos, mas também com trabalho não pago, perfazendo o montante de 8,5 horas por semana. Grupos enormes de trabalhadores são reunidos em fazendas de cliques sem condições trabalhistas adequadas. A esses trabalhadores é imposta uma condição de autônomo, o que retira o acesso a direitos trabalhistas e do sistema de proteção social, como a seguridade social. De um lado, empresas de IA não revelam quem está sendo contratado nas suas cadeias produtivas, de outro muitas companhias e plataformas que fazem este serviço estão fora do Brasil, o que aumenta a vulnerabilidade destes trabalhadores. Essa situação torna as relações de trabalho e as precárias condições de vida destas pessoas invisibilizadas, pois ao não existirem perante a lei, não conseguem sequer reivindicar melhores condições.

A IA é uma tecnologia que se torna cada vez mais relevante na sociedade, mas seu desenvolvimento não pode ser feito às custas da dignidade de trabalhadores. Neste sentido, as evidências dos estudos produzidos pela academia mostram a importância das legislações sobre IA tratarem da proteção ao trabalho e trabalhadores (referente ao Capítulo X, seção II do referido PL) não somente na perspectiva dos efeitos de seu uso e implementação, mas também levando em conta o trabalho envolvido nessa cadeia produtiva, o que implica:

- Estender os normativos e políticas públicas delegados à autoridade competente, autoridades setoriais, o CRIA e o Ministério do Trabalho também aos trabalhadores envolvidos no desenvolvimento dos sistemas de IA.

- Incluir estes trabalhadores nas avaliações de risco e nas obrigações de supervisão humana para decisões tomadas por sistemas automatizados.

- Incluir obrigações de transparência para empresas de IA no tocante às empresas e trabalhadores contratados na sua cadeia produtiva para permitir a fiscalização das autoridades de inspeção do trabalho.

- Assegurar aos trabalhadores envolvidos no desenvolvimento de IA direitos básicos trabalhistas previstos na legislação trabalhista quando cumpridos os requisitos para tal, indicando a necessidade de fiscalização das autoridades nesse setor.

- Delegar à ANPD, em parceria com o CRIA e o Ministério do Trabalho, a emissão de normativos que limitem a coleta abusiva de dados de trabalhadores no âmbito do desenvolvimento e uso de sistemas de IA, incluindo dados psicológicos e relativos a sentimentos.

- Acrescer às diretrizes do capítulo a transparência nos contratos e termos, na definição da alocação de trabalho, na definição de remuneração, na tomada de decisões disciplinares e nos critérios utilizados pelos sistemas de IA, bem como direitos de recurso às decisões tomadas por estes e ou com o auxílio deles.

Compreendemos que este é um momento crucial e final de tramitação do PL 2.338 de 2023 na CTIA, mas não poderíamos nos furtar de alertar para a importância do assunto uma vez que o tema do trabalho passou a fazer parte do escopo. Ao mesmo tempo, somamo-nos aos alertas contra os riscos do lobby das empresas de vários setores que atuam para descaracterizar o texto do PL”.

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