17 de julho de 2025
Em 2025, o 48º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação terá como tema “(Re)Pensar a Comunicação como campo de conhecimento, formação e prática profissional”. A temática fomenta o debate sobre a comunicação, seja na área da pesquisa, do ensino, da extensão ou do mercado de trabalho, especialmente em um mundo que está cada vez mais interligado com a área.
Pensando nessa relação tão ampla, a Conferência de abertura do Congresso Nacional, que acontece no dia 03 de setembro no Sesc Glória, abordará a temática com a presença do conferencista convidado, o jornalista e professor, Rosental Calmon Alves (University of Texas, Austin). A mediação será realizada pelo ex-presidente da Intercom, professor Antonio Hohlfeldt (UFRGS/Intercom).
As discussões sobre o tema central do Congresso Nacional deste ano são citadas por Rosental como necessárias e amplas. Para entender mais sobre a perspectiva e apresentar um pouco do que vai ser discutido em setembro na Faesa, a Intercom conversou com o professor da Universidade do Texas.
Intercom (I): A comunicação passou e continua passando por diferentes transformações, não só impulsionadas pelas tecnologias, como também por novas mediações sociais. Como o Senhor enxerga esse processo pela perspectiva do fazer comunicação?
Rosental Alves (R.A.): Eu estou muito honrado com esse convite da Intercom, e mais ainda porque ele coincide com o 20º aniversário de uma outra ocasião em que falei também no Congresso, só que no Recife. Há 20 anos, eu estava comemorando os 10 anos do jornalismo online. Agora, comemoramos os 30 anos do jornalismo digital. No Recife, eu ainda estava falando sobre o impacto que a internet tinha até aquele aquele momento, mas principalmente sobre o que ainda estava por vir. Agora, por coincidência, não só é o aniversário desse momento, como nós estamos outra vez às vésperas ou no começo de uma revolução ainda mais forte e impactante na comunicação do que foi a internet nesses últimos 30 anos, que é a Inteligência Artificial. Assim, entendo que precisamos tentar fazer uma avaliação de como nós estávamos há 20 anos e o que vemos como o grande impacto da era da da inteligência artificial na comunicação em geral para os próximos 20 ou 30 anos.
I: A Intercom debaterá durante todo o Congresso Nacional a necessidade de repensarmos a comunicação de maneira ampla e urgente. Quais os dilemas éticos existentes nesses novos processos comunicativos?
(R.A.): Estou convencido de que os próximos 30 anos vão ser muito diferentes do que os últimos 30 e a inteligência artificial já nos impõe novos dilemas éticos que vão se multiplicar ainda mais. O que vem por aí são mudanças muito mais fortes do que aquelas que eu pensava nos anos 90 que estavam adiante com o advento do jornalismo digital, da web. Por quê? Porque é a primeira vez em que a humanidade está criando ou criou algo que não é simplesmente uma ferramenta. É como diz Yuval Harari, autor israelense, a primeira vez que criamos uma coisa capaz de pensar por si mesma e agir por si mesma. Então, não é apenas o impacto que, por exemplo, a internet teve na distribuição de informação. Novos dilemas éticos estão surgindo no processo comunicativo, bem diferentes dos anteriores, porque além de ter o ser humano pensante, nós vamos ter, cada vez mais, as máquinas pensantes.
I: Em setembro de 2010, você foi descrito pelo “El País” como um grande teórico do jornalismo, especialmente na área digital, mas também considerado um guru. Refletindo sobre o (re) pensar a comunicação, é possível fazer previsões sobre o futuro da área?
(R.A.): Tenho uma sensação de déjà vu quando eu vejo o que está acontecendo, porque na realidade é muito parecido com as discussões que a gente tinha há 30 anos sobre o impacto da web. Naquela época, muitos achavam impensável, por exemplo, o desaparecimento do jornal impresso. As pessoas ainda podem argumentar que ele não desapareceu, mas obviamente hoje a edição impressa é sempre muito menos importante que a digital. De novo, não sabemos exatamente como será o ecossistema midiático no futuro dominado pela IA, mas podemos prever algumas coisas. Por exemplo, a distribuição e o consumo de informação vão ser mediadas por agentes de Inteligência Artificial por que isso já começou a acontecer. Esta será uma mudança radical que está começando numa velocidade supersônica. Afinal, nunca vimos uma tecnologia se desenvolver tão rapidamente.
I: Além das transformações na prática, também podemos apontar mudanças no campo do conhecimento da comunicação. Como fundador do Knight Center, que prepara tantos profissionais para o mercado, consegue avaliar os impactos dessas novidades no campo do conhecimento?
(R.A.): O impacto na educação em geral está sendo cada vez mais forte, enquanto em muitos setores falam-se de desemprego e de criação de novos empregos. No jornalismo o que eu tenho dito é que hoje, nesta etapa atual, é mais fácil um jornalista perder seu emprego porque não sabe lidar com IA do que perder seu emprego para a IA. Alguns professores não querem que os alunos usem IA, da mesma maneira que em gerações anteriores havia aqueles que não queriam que os alunos usassem as calculadoras eletrônicas. Mas nós, da educação do jornalismo, temos que absorver a tecnologia nova, tentar se adaptar a ela e não tentar reprimir os alunos a usarem. No entanto, uma coisa é usar a inteligência como assistente, outra é tentar enganar os professores deixando que a IA faça a tarefa que o aluno tem que fazer. Na minha modesta opinião, todo jornalista, estudante de jornalismo ou professor da área não se pode dar ao luxo de não usar esse recurso incrível que existe.
I: Podemos afirmar que você foi um dos responsáveis pela implementação do Jornalismo Online no Brasil. Olhando para trás, consegue perceber as transformações na área do jornalismo na América Latina como um todo?
(R.A.): Eu tenho sido evangelizador digital, realizando palestras há mais de 20 anos, em muitos casos tentando convencer incrédulos sobre os impactos da revolução digital no jornalismo. Encontrei muita resistência às mudanças, e é claro que hoje em dia já não tem mais como resistir ao digital. Entramos agora em uma fase mais madura da revolução digital nos meios de comunicação, mas estamos diante de uma nova tecnologia que vai transformar tudo novamente. Então quando olhamos para trás, é preciso entender os erros que cometemos, os acertos que tivemos e tentar olhar para frente usando algumas das lições que aprendemos (e foram muitas). Não conseguimos prever o que vai ser do futuro com exatidão, mas pelo menos, podemos entender que vai ser diferente e as direções em que vai ser diferente. Temos que estar preparados e participar da construção desse futuro.
I: Como um convite para congressistas de todo o Brasil que estarão na Faesa no dia 03 de setembro, o que esperar da sua Conferência?
(R.A.): Durante a Conferência de Abertura do Congresso, pretendo que as nossas conversas tenham esse tom que eu acabei de destacar, de tentar entender as últimas três décadas e tentar ver como uma tecnologia que se desenvolve tão rapidamente vai afetar de forma essencial e profunda o ecossistema mediático. O impacto já está começando e ocorre numa velocidade que nunca vimos antes.
Rosental é professor titular na Faculdade de Jornalismo e Mídia da Universidade do Texas em Austin, onde ocupa a Cátedra Knight de Jornalismo e a Cátedra UNESCO de Comunicação. Além de fundador e atual Diretor do Knight Center for Journalism in the Americas, também atuou na criação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), do Foro de Periodismo Argentino (Fopea), do Foro de Periodistas Paraguaios (Fopep), do Consejo de Redacción (Colômbia) e da Ajor (Associação Brasileira de Jornalismo Digital).
A etapa presencial do Congresso acontece de 01 a 05/09/2025, no Centro Universitário FAESA, em Vitória-ES. A programação está disponível aqui. A etapa remota é realizada um pouco antes, de 11 a 15 de agosto, diretamente pelo Portal de Sistemas da Intercom. A programação preliminar também está disponível neste link.

